O que podemos aprender com os argentinos: Menotti, Cappa e Valdano

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Brasil e Argentina são países vizinhos que carregam uma rivalidade única no futebol mundial. Na exportação de jogadores, há muitos aspectos semelhantes, agora, na exportação de treinadores para o centro do futebol, a Europa, a diferença é ampla, e não podemos negar que os treinadores argentinos estão construindo carreiras sólidas em vários países e estão na nossa frente. Qual seria a problemática maior disso?

Uma longa tese pode ser discutida abarcando temas político-sociais. Mas vamos focalizar em coisas mais palpáveis, fenômenos simples, podendo ser a língua falada no país que facilita para trabalhar em outros mercados, também o lastro cultural, ou seja, uma abertura maior para estudar as dimensões do futebol e outras áreas abrangentes que o complementam, e especialmente o entendimento da essência do jogo bem jogado.

Isso fica claro em algumas entrevistas, jogos, e especialmente na última semana quando Bielsa, treinador argentino, que é um “caso raro” nesse meio, veio no interessante evento promovido pela CBF. Isso me moveu a refletir sobre as diferenças históricas entre os treinadores Argentinos e Brasileiros.

Atualmente, a diferença tem diminuído, principalmente no futebol formativo. Claro, temos que fortalecer nossos bons profissionais que também aprendem dos hermanos. Então resolvi buscar visões de outros treinadores argentinos,  que não estão mais nada ativa, mas que ao longo da carreira influenciaram gerações, desenvolveram excelentes trabalhos e também exerceram papeis diretivos no futebol. César Luis Menotti, Ángel Cappa e Jorge Valdano possuem uma visão interessante desse jogo e dos jogadores, respeitando três regras básicas: a estética de jogo, a qualidade de jogo e o protagonismo do jogador.  Aprendamos abaixo:

O mais importante no futebol é saber jogar futebol. E isso, que soa como uma grande piada, é muito mais sério do que a gente crê. Saber jogar futebol não significa nem ter muita técnica nem ser muito rápido. Significa simplesmente isso: saber jogar futebol. Os futebolistas creem que com as virtudes advindas de sua genética é suficiente para serem bons futebolistas profissionais. Mas como cada futebolista tem suas virtudes e defeitos, são poucos aqueles que aproveitam a fundo suas virtudes e sabem polir seus defeitos. Então, eu falo, que para fortalecer as coisas que são muito interessantes (mas que não são o mais importante) há que aprender a jogar futebol. De nada serve ter uma boa saúde desportiva, nem ser um profissional com toda expressão que a palavra indica. Os treinamentos são o ponto de partida da aprendizagem e saber jogar futebol é uma coisa que parece simples, mas não é tanto. Alguma vez dei o exemplo do Ronaldo, e este exemplo poderíamos usar a um senhor que vive em uma casa e que a sua casa conhece com perfeição, sabe tudo dela, se move dentro dela e conhece perfeitamente até os mínimos detalhes; mas quando sai de sua casa não sabe nem onde deve ir para comprar o pão. Falo que Ronaldo é um exemplo de que dentro da área é como se fosse sua casa, mas quando saí dela tem suas dificuldades. E se Ronaldo, que foi para mim um dos melhores jogadores do mundo pode aprender, por que não podem aprender outros? O por que Ronaldo não aprendeu tenho tomado sempre como ponto de partida, analisando que um bom treinador também tem que ser capaz de discutir algumas ações com seus futebolistas para que estes saibam resolver bem.  A grande dificuldade do futebol, é que por desconhecimento, há muitas pessoas que pretendem fazer coisas que apenas são interessantes e somente melhorarão o dia que entenderem que, erroneamente, o interessante não é o mais importante. Se debate sobre a alta capacidade física, se debate sobre o treinamento triplo por dia, se debate sobre bolas paradas. Isso é muito simplista. É muito fácil ser treinador de futebol assim, o difícil do futebol é saber ensinar. Ensinar a jogar futebol não é a mesma coisa de todos os dias, há que se organizar e jogar para ele realmente, e por isso, como uma vez falou Cruyff e eu falei no ano de 73, há treinadores que treinam e há treinadores que ensinam”. (Cesár Menotti)

Menotti|Imagem - @MenottiDijo
Menotti|Imagem – @MenottiDijo

 

“É possível que poucos entrem em acordo com a definição concreta de jogar bem futebol, por mais que no fundo sabemos o que é jogar bem futebol. Do mesmo modo, por exemplo, é possível que não estejamos de acordo com a definição de uma porta, mas todos sabem o que é uma porta. Isso é o mesmo. Pode que não estejamos de acordo com a definição por que buscamos definições demasiadamente precisas para que não haja nenhuma dúvida. Talvez nisso não entremos em acordo, mas sabemos perfeitamente o que é jogar bem. Falam-se muitas coisas sem uma avaliação preliminar. Quando desconhece a essência do jogo se fala muitas coisas sem fundamento. Hoje em dia, desde as divisões profissionais mais inferiores até a equipe campeã da Europa, todas as equipes estão iguais fisicamente. Mas a preparação física vai além disso, pois depende muito mais do sistema nervoso, do funcionamento da equipe e do animo coletivo. Por que se a equipe joga bem todos estão bem. Alguma vez alguém viu uma equipe cansada quando estava ganhando por 4 x 0? Em contrapartida, uma equipe vai perdendo de 2 x 0, faltam cinco minutos e não consegue pegar na bola, estão mortos, mas do nada fazem um gol em um escanteio e começam a voar.  Essa é uma discussão muito velha, mas se repete por que não se quer aprender. Há muitas pessoas que não querem aprender, não lhes interessa por que parece que é uma perda de tempo aprender. E muito menos aprender que o futebol é inspiração, conhecimento e talento. E entendo por talento o saber eleger, a capacidade que tem o jogador para eleger sempre a melhor jogada. Isso para mim é talento. É fundamental que tenhamos futebolistas com talento por que é mais difícil corrigir o jogador que escolhe mal. O jogador escolhe bem ou mal por natureza, não há outra questão. A inspiração é algo que ocorre nesse momento, e que não está acessível nos livros. Não é questão de eleger, é questão de inventar. Há poucos jogadores com capacidade de inventar, há poucos jogadores com inspiração. E o outro é conhecimento de jogo, para que o jogador possa eleger bem tem que conhecer o jogo”. (Angel Cappa)

Cappa e Valdano|Imagem – El gráfico
Cappa e Valdano|Imagem – El gráfico

 

“Entendo que não existe somente um futebol, há muitos. Mas na história geral, se observamos, e ainda hoje, quase sempre tem triunfado um futebol mais pleno, mais estético. O reino do tiqui-taca é uma grande demonstração disso. Mas infelizmente, com o passar dos anos, a Argentina e o Brasil foram perdendo o amor pela bola. Já aqui, na Espanha, parece que temos entendido que a bola é o umbigo do jogo. E em todas as escolas, não somente nas equipes do Real Madrid e do Barcelona, se idealiza as ideias muito bem, e com muita qualidade o trabalho é realizado nas divisões de base. Joga-se um bom futebol. Para mim, o futebol se inicia pela bola. Eu comia quando era jovem amassando e brincando com a bola debaixo da mesa. E lá fora, ao redor da bola, apareciam os amigos, o jogo. Di Stefáno sempre disse que o futebol se joga, não se corre. Eu, em 1986, correndo muito, não devo ter corrido mais que 8 quilómetros. Hoje um jogador que corre menos que 11 quilómetros parece que traí sua pátria ou sua equipe. São outros elementos estatísticos que pesam para definirmos uma partida como boa ou ruim. E nessa confusão tem entrado os meios tecnológicos. Muitas vezes, para presumir a tecnologia que investiram muito dinheiro, terminam dando dados que são intranscendentes para a eficácia e a beleza do jogo. Realizamos diagnósticos a cada cinco minutos. Estamos todos apressados: os torcedores, os periodistas, o jogo. Hoje, a maioria das equipes jogam a uma velocidade acima que a convém. A palavra da moda é intensidade. Antes, era atitude”. (Jorge Valdano)

Se as ideias no futebol são importantes, muitas delas tecidas acima podem nos ajudar a perceber a profundeza e a simplicidade do futebol. E a inteligência real do futebol tem a ver com um único sentido: a essência do jogo e a busca pelo controle da bola. Os argentinos, com sua classe peculiar, dentro (jogadores) e fora (treinadores) de campo, entendem muito bem disso. Nós também podemos entender. É só trocar o acessório pelo fundamental.

Abraços e até a próxima quarta!

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