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Documentos e textos escritos no Japão, sobre histórias de guerras, batalhas, samurais e feudos, contam que os famosos guerreiros “Ninjas” eram tão exigidos nos seus treinamentos que desenvolviam a capacidade de antever coisas que estavam por acontecer. Não se tratava de um desenvolvimento de forças sobrenaturais que davam ao Ninja o poder da premonição; tratava-se do desenvolvimento da percepção do ambiente, sobre detalhes que para a maioria das pessoas poderia passar despercebido, mas que para eles, guerreiros treinados a exaustão, poderia significar o ponto de partida para reagir com velocidade máxima a uma situação de perigo (antes mesmo dela efetivamente ocorrer).
 
No nosso dia-a-dia existe uma enormidade de coisas que para grande parte das pessoas são apenas detalhes invisíveis. É interessante como deixamos de reparar, de perceber o que ocorre a nossa volta. Já reparou que você nunca presta atenção a um determinado modelo de carro, até que resolve ter um? Aí parece que todos os carros que você vê passar são justamente o tal.
 
O que você vê nessas figuras? Apenas folhas ao vento ou uma mulher de “bruços” (tecnicamente decúbito ventral)? Uma taça de vinho, uma cortina, ou uma mulher nua? Ou estaria vendo todas essas coisas ao mesmo tempo?

 

Essas figuras simbolizam o que eu chamaria de barreira do senso comum. Não ultrapassar essa barreira significa ver o que todo mundo vê, fazer o que todo mundo faz; transpô-la representa utilizar-se de conhecimentos científicos e a sabedoria adquirida para ir além (ver mais do que os outros, ver o que poucos ou ninguém vê).

 
Talvez a melhor pergunta seja o que você quer ver? E não o que você vê? O fato é que se você quer conhecer bem alguma coisa deve olhar a fundo (se aprofundar), o máximo possível. Quando penso que o que queremos conhecer a fundo é o futebol vejo a grande massa de conhecimento científico disponível aguardando para ser consumida e servir de energia para a transposição imediata da barreira mencionada.
 
Como já apontei em outras vezes podemos olhar para o jogo de futebol e ver aquilo que todo mundo vê (ou acha que vê). Isso não é difícil. Complexo e árduo é “mergulhar” no jogo e ver aquilo que poucos são capazes de ver.
 
Podemos nos apoiar em diversas lentes para refinar nosso olhar. Dentre os olhares possíveis, o da ciência, é no aspecto tático, o mais distante no quesito aplicação prática. Não pela inaplicabilidade ou ausência de teorias. O fato é que, o seu acesso (e não somente o acesso a ela) é dificultado por obstáculos paradigmáticos.
 
Dentro do jogo de futebol, é possível observar conceitos e princípios que podem ser lentes orientadoras para melhor enxergá-lo, melhor entendê-lo. Isso não é privilégio do futebol. Qualquer esporte, individual ou coletivo, de força ou resistência, assim como apresenta uma lógica (discutido no texto anterior) possui também princípios.
 
Nos esportes coletivos, são inúmeros os pesquisadores e especialistas que se dedicam a estudar suas dinâmicas, sistemas e imprevisibilidades. Um deles, Claude Bayer, aponta em suas reflexões para o fato de que certos “eventos” da dinâmica do jogo são comuns a diversos “Jogos Desportivos Coletivos”, e que seu entendimento particular aplicado as características ímpares de cada modalidade pode auxiliar na compreensão da mesma.
 
Esses eventos são como “lentes” para enxergar o jogo, e essas “lentes” Bayer chama de Princípios Operacionais de Ataque e Princípios Operacionais de Defesa do jogo.
 
Os Princípios Operacionais de Ataque (POA) são as estruturas dinâmicas que sistematizam o jogo de ataque. São três os POA: 1) a conservação individual e coletiva da posse da bola; 2) a progressão da equipe e da bola visando o alcance da meta adversária; 3) a finalização da jogada para a obtenção do ponto, do gol, da cesta, etc.
 
Os POA são os óculos que nos ajudam a ver o jogo sob uma perspectiva orientada para a construção e identificação de possibilidades de ataque. Então, orientados por esse olhar, dentro do treinamento do sistema ofensivo de uma equipe, dever-se-ia criar estratégias que possibilitassem melhor desempenho na manutenção da posse de bola, maior eficiência e eficácia na construção de seqüências ofensivas, e por fim grande intensidade de concentração no arremate final. Vejam senhores; criar estratégias não significa espernear, esbravejar, fazer cena na beira do gramado gritando aos quatro campos para a equipe manter, por exemplo a posse da bola.
 
Criar estratégias, senhores, significa possibilitar no treinamento, situações-problema para o desenvolvimento desse ou daquele princípio, com atividades que levem ao como fazer, através de sua compreensão.
 
Os Princípios Operacionais de Defesa (POD) são as orientações das dinâmicas de defesa de uma equipe. Segundo Bayer são três os POD: 1) a recuperação da posse da bola; 2) o “bloqueio” ao avanço da equipe adversária e da bola (em progressão ao próprio alvo); 3) a proteção do alvo propriamente dito para impedir que a equipe adversária finalize.
 
Ao olharmos o jogo com os óculos do POD provavelmente nos tornemos capazes de identificar o porquê, por exemplo, equipes sofrem poucos gols no decorrer de um campeonato. Repare, uma equipe com poucos gols sofridos pode ter essa marca porque tem uma boa estratégia de recuperação da posse da bola. Outra porque tem uma boa estratégia de posicionamento para impedir o avanço da equipe adversária e/ou da bola; ou ainda porque consegue com muita eficiência proteger sua meta propriamente dita.
 
É fácil então, a partir daí, perceber que além de existirem possibilidades distintas a se trabalhar (princípios distintos a se desenvolver) para o ataque e para a defesa é possível dentro de um mesmo princípio ter infinitas estratégias para se obter o resultado desejado.
 
Provavelmente ao olhar para um jogo de futebol, muitos de nós (torcedores, jornalistas, especialistas, treinadores, pesquisadores) realmente somente sejamos capazes de ver a “figura superficial” das
dinâmicas táticas que compõe uma partida. Mas é necessário ir além (ir além é medida obrigatória para treinadores e especialistas). É necessário transcender as tradições, as manias, os vícios, os padrões, a simplicidade fragmentada, o comum vazio de conteúdo; é necessário que olhemos para o jogo e sejamos capazes de ver os problemas e buscar respostas (os por quês) e não simplesmente apontá-los e fazer exigências improdutivas de melhoras.
 
Não podemos deixar de ver o carro, mesmo quando não é ele que vamos comprar. Não podemos deixar de ver o carro, principalmente quando é ele que pretendemos adquirir.
 
Não é necessário que sejamos “Ninjas”, nem tenhamos poderes sobrenaturais. Exercitemos apenas a possibilidade de detectar taticamente em seu início o fracasso anunciado (para não permitir que ele aconteça) ou o sucesso eminente (para amplificar sua magnitude e fazê-lo chegar mais rapidamente).
 
Olhemos para ver! Olhemos novamente para entender! Olhemos com profundidade para transcender!
 

Vitórias e derrotas não são conseqüências da sorte ou do acaso. Então vamos vestir o óculos porque o jogo está começando…

Para interagir com o colunista: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

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