Façamos hoje mais uma reflexão a partir de um tema que repercutiu consideravelmente quando foi apresentado neste espaço. Trata-se do “balanço defensivo”.
“Existe um conceito no futebol, também conhecido como “balanço defensivo”. Esse conceito reflete a estruturação geométrico-estratégica dentro do jogo, que permite aos jogadores raciocinarem defensivamente quando estão atacando. Então, enquanto um grupo de jogadores foca na construção ofensiva de uma jogada sem deixar de considerar a organização defensiva, outros jogadores da mesma equipe focam na organização defensiva sem deixar de considerar a estruturação da construção ofensiva”. Trecho da coluna “O mito dos laterais que não sobem ao mesmo tempo e o balanço defensivo”.
Em tese, no jogo de futebol, poderíamos didaticamente atestar a presença e relevância de três sub-sistemas (que chamarei de sistemas para facilitar o entendimento): o sistema defensivo; o sistema ofensivo; o sistema de transição.
O sistema defensivo é a organização que se estabelece dentro de uma equipe com a finalidade de proteger sua meta, dificultando ou destruindo a construção de seqüências de ataque por parte do adversário. O sistema ofensivo é a organização que se estabelece dentro de uma equipe para que ela possa chegar à meta protegida pelo adversário, de maneira segura, eficiente e eficaz.
Quando se está defendendo, sem a posse da bola, na tentativa de evitar a progressão do adversário ao seu campo de ataque, uma equipe busca na verdade, não somente evitar o gol adversário, mas também recuperar a posse da bola para buscar organizar um ataque efetivo. Por outro lado a equipe que ataca busca, além de chegar ao gol adversário, manter a posse da bola em segurança caso não seja possível fazê-lo rapidamente (chegar ao gol).
Assim, quando uma equipe que estava se defendendo passa a atacar, tem antes dessa mudança de objetivo principal, aquilo que podemos chamar de sistema de transição (em outras palavras, a alternância entre defender e atacar passa primeiro por uma transição). O mesmo vale para uma equipe que estava atacando e passa a se defender. Não ocorre uma mudança direta ataque/defesa, mas sim uma mudança ataque/transição/defesa.
Então, o momento que separa o “estar atacando” para o “estar defendendo” ou o “estar defendendo” para o “estar atacando” é chamado de “transição”. Da defesa para o ataque; transição ofensiva. Do ataque para a defesa, transição defensiva.
Muitas vezes a transição é deixada de lado. Então treina-se como atacar e como defender, mas não como alternar de um momento para o outro.
Isso é mais grave quando se confunde ataque com sistema ofensivo, defesa com sistema defensivo e transição com sistema de transição. Isso porque o “atacar”, o “defender” e o “transitar” podem ser situações visíveis do jogo destacadas em momentos diferentes.
Já os sistemas “ofensivo, defensivo e de transição” estão o tempo todo e ao mesmo tempo presentes na mesma equipe, interagindo. Essa interação não permite separar e definir “onde começa um e onde termina o outro”.
Bom, aí voltamos ao “balanço defensivo”. Ao olharmos para ele, conhecendo os conceitos de sistema “defensivo, ofensivo e de transição”, notaremos que o balanço defensivo é uma expressão do sistema defensivo quando há predomínio do sistema ofensivo, com a finalidade de impedir a eficácia da transição ofensiva do adversário quando ele é atacado e recupera a posse da bola (ao mesmo tempo em que tenta aumentar a eficácia da transição defensiva, se necessário for, quando se está atacando e a posse da bola é perdida).
Em outras palavras, o balanço defensivo é variável do sistema defensivo, ofensivo e de transição ao mesmo tempo, porém interage com cada um deles de forma diferente.
Pois bem, na perspectiva dessa discussão, pensemos no balanço defensivo e sua relação com a opção da forma a se marcar em um jogo.
Será que haveria alguma diferença nos “nortes” ao se conceber o balanço defensivo utilizando-se de estratégias de marcação por zona ou individual? (em outras palavras, se uma equipe marca “zona”, teria ela que partir de caminhos diferentes daquela equipe que optou pela marcação “individual” ao organizar seu balanço defensivo?)
A marcação “zona” busca de forma racional otimizar a ocupação dos espaços quando uma equipe está se defendendo. Já mostrou seu valor diversas vezes, mesmo em momentos de aclamação pela marcação “individual” com a finalidade de se “anular um grande craque”. A melhor ocupação dos espaços leva a uma otimização das movimentações, o que interfere diretamente na economia de energia.
A de se destacar, no entanto, que a marcação por “zona” requer grande intensidade de concentração e isso às vezes é tomado como peso contra ela para os adeptos da marcação individual.
A marcação individual apresenta variáveis mais simples, porém de lógica peculiar, e que também requerem bom entendimento. Enquanto na primeira (por zona) a organização e distribuição se dão em função da movimentação da bola, essa (a individual) se organiza a partir da movimentação dos jogadores adversários. Em função disso, existem aqueles que apontam que é mais fácil se posicionar em função da movimentação do adversário porque essa é menos veloz do que a partir da movimentação da bola. Há, porém, que se ressaltar uma obviedade: bola só há uma; adversários, 11.
Na marcação por “zona”, o fato de se ter a bola como referência facilita a organização coletiva, pois todos sabem onde ela está e como deverão se movimentar em função disso.
Então, ao se optar pela marcação em zona será possível definir um “desenho” para o balanço defensivo, que independentemente dos jogadores que o preencham deverá estar geometricamente bem definido. Quando a opção é pela marcação individual, o balanço defensivo torna-se atrelado a movimentação do adversário.
Vejamos um exemplo gráfico:
Na figura “A” o desenho “congelado” de uma situação real de um jogo ocorrido em 2006. Notemos que a equipe amarela ataca sem deixar um jogador de “sobra” na defesa para marcar os atacantes e estrutura seu balanço defensivo em diagonal (atacando inclusive com os dois alas ao mesmo tempo).
Imaginemos hipoteticamente que o jogador “MD” da equipe vermelha resolva adotar o posicionamento apresentado na figura “B”. Como a estrutura defensiva da equipe amarela está organizada para marcar em “zona”, o jogador “S” da equipe amarela faz um sutil reajuste de posicionamento, porém continua mantendo a diagonal defensiva desenhada.
Vale lembrar que ao adotar novo posicionamento, o jogador vermelho “MD” está aparentemente livre (mas não fora do controle defensivo), mas permite que agora dois jogadores da equipe amarela (ME e AD) estejam sem marcação efetiva.
Caso a equipe amarela estivesse marcando individualmente, teríamos o que está representado no gráfico abaixo:
Notemos que na figura “C” temos o mesmo posicionamento inicial da figura “A”. No entanto, dessa vez, como o sistema defensivo está estruturado em uma marcação do tipo individual, ao se movimentar (hipoteticamente) como anteriormente o jogador “MD” da equipe vermelha é acompanhado pelo jogador “S” da equipe amarela (figura “D”).
Não estou aqui desconsiderando a possibilidade da marcação mista (na qual a marcação se inicia em zona e transita para a individual de acordo com a movimentação do adversário) nem a da marcação híbrida (que alterna, de acordo com a situação, as características da marcação zona e individual).
O fato é que ao se adotar uma ou outra, muda-se a lógica na qual todo o sistema defensivo, ofensivo e de transição é construído.
Para os amantes, especialistas e profissionais do futebol seria um “prato cheio” poder acompanhar equipes com propostas diferenciadas em sua estrutura de jogo.
No Brasil, não temos o privilégio de deliciar-nos com muitos times marcando em “zona”, o que é uma pena, pois valorizaria o trabalho tático das equipes. E como diria um dos notáveis do Café dos Notáveis, se o problema é ter a “zona” no jogo, não percamos as esperanças, pois deve ser difícil encontrar grande quantidade de jogos em que a marcação é uma “zona”.
Então, nos resta ajustar o olhar e descobrir no jogo de domingo ou do meio de semana, qual foi a “zona” que acabou aparecendo…
Para interagir com o colunista: rodrigo@universidadedofutebol.com.br