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 Comecemos nosso texto hoje com duas questões:
1)    Jogadores de futebol possuem bom entendimento tático?
2)    Jogadores de futebol são comprometidos taticamente?
Certamente a visão de treinadores, especialistas, jornalistas e torcedores pode, e muito, divergir sobre o tema. O fato é que ao avaliar mal a resposta para essas perguntas poderemos acelerar o distanciamento entre a evolução do jogo de futebol (com suas inovações e possibilidades) e a competitividade nas partidas e campeonatos.
Façamos então um exercício de reflexão sobre o tema.
Dadas as diferentes respostas possíveis para as perguntas acima, temos as seguintes possibilidades para tais respostas:
Possibilidade 1: Não, jogadores de futebol não têm um bom entendimento tático. Não, jogadores de futebol não têm comprometimento tático.
Possibilidade 2: Não, jogadores de futebol não têm um bom entendimento tático. Sim, jogadores de futebol têm comprometimento tático.
Possibilidade 3: Sim, jogadores de futebol têm um bom entendimento tático. Não, jogadores de futebol não têm comprometimento tático.
Possibilidade 4: Sim, jogadores de futebol têm um bom entendimento tático. Sim, jogadores de futebol têm comprometimento tático.
Em uma empresa séria, respeitada e que desempenha bem seus serviços de acordo com suas metas, não se pode aceitar um rendimento de seus funcionários que não seja satisfatório aos padrões de exigência estabelecidos pela empresa. Se a exigência requer bom desempenho, não se pode admitir nada menos que o “bom”. Se a exigência é o nível de excelência, não se pode admitir nada menos que o “excelente”.
Se substituíssemos nas perguntas do início do texto as palavras “tático” e “taticamente” por “sobre (ou: “com”) os objetivos da empresa“, e trocássemos “jogadores de futebol” por “os funcionários da empresa” teríamos as seguintes questões:
1)    Os funcionários da empresa possuem bom entendimento sobre os objetivos da empresa?
2)    Os funcionários da empresa são comprometidos com os objetivos da empresa?
Qualquer “não” para alguma dessas perguntas certamente seria motivo de pontual intervenção por parte da empresa.
No futebol (que é encarado como um mundo a parte – não poderia!) um “não” para uma dessas perguntas é muitas vezes encarado como algo comum, normal. É como se as possibilidades 1, 2 e 3 soassem em grande parte das vezes como um muro alto, sólido e intransponível; a verdade das verdades.
Como conceber um jogador que não tenha comprometimento tático com a equipe?
Esse é um problema que em boa parte das equipes européias seria inconcebível (portanto talvez nem seja considerado como possibilidade).
No Brasil
Mas o que me preocupa mais intensamente é quando a resposta para a questão do comprometimento é “sim” e a resposta para a questão do entendimento é “não”. Existe uma “idéia”, um consenso (equivocado!) de que os jogadores não são capazes de entender com excelência questões táticas que envolvem o jogo; que sua compreensão é limitada.
Difícil concordar (difícil engolir) quando pesquisas no mundo todo apontam para o fato de que a “burrice” desbravada atribuída a algumas pessoas em diversos níveis de escolaridade é na verdade deficiência da qualidade dos estímulos aos quais elas (as pessoas) são submetidas.
Então, enquanto o discurso que circula o meio futebolístico avaliza a incapacidade de seus brilhantes atletas (brilhantes!?), a compreensão (e o conhecimento) sobre o ser humano-integral nos mostra que o problema está em outro nível; no nível daqueles que são responsáveis por estimular os jogadores a compreender melhor (e a cada dia mais) o jogo: os treinadores!
Muitas vezes jogadores de futebol são tratados como robôs, programados para realizar determinados tipos de tarefa. O problema é que no jogo de futebol as tarefas são aleatórias, imprevisíveis e infinitas. Então se em vez de estimular o jogador a compreender o jogo (a pensar para tomar decisões), o “programarmos” para automatizar movimentos, não estaremos contribuindo para a evolução do atleta e muito menos para novas e melhores perspectivas táticas para a equipe dentro do jogo.
Ao assumirmos como verdade que jogadores de futebol têm limitações que impedem essa ou aquela tática, dinâmica ou estratégia de jogo, estamos as claras, assumindo que ele (o jogador) é um extraterrestre (e pouco desenvolvido). Não vejo palavra melhor. Se ele não é capaz de aprender, então é de outro mundo.
Muitos são os conhecimentos táticos necessários para um treinador de futebol. Plataformas de jogo, táticas, estratégias, sistema de jogo, tipos de marcação, princípios de ataque, princípios de defesa… Mas anterior a isso tudo está o conhecimento que baliza a real operacionalização para que os jogadores possam entender os princípios que norteiam todo esse conteúdo.
Se não for assim, ele (o treinador) só estará reforçando idéias do senso comum e o que é pior contribuindo para a estagnação tática do jogo de futebol (o que cada vez mais daria munição aos “especialistas” que cantam aos quatro cantos que no futebol “não há nada de novo para se inventar taticamente” – o que diriam José Mourinho, Rafa Benitez, Alex Ferguson ou Van Gal se ouvissem isso?!).
Certamente afirmar que os jogadores não têm bom entendimento tático sobre o jogo só faria sentido se estivesse se referindo a um dado momento de um processo (processo de aprendizagem). Caso contrário é mais fácil acreditar que tal afirmação se trata na verdade de um “escudo” para proteger, ou melhor “ocultar” a incompetência de “terceiros”.
Então termino hoje com um trecho de um texto do professor João Paulo Medina e com algumas indagações:
 (…) não é fácil formar homens quando o sistema pede robôs. Não é fácil desenvolver atletas cidadãos, críticos, conscientes educados e criativos quando o sistema pede apenas máquinas obedientes e automaticamente descartáveis (…)
O que a tática do jogo pede, atletas criativos ou automaticamente descartáveis?
O que o futebol pede, robôs ou homens?
O que a vida pede, máquinas ou cidadãos?

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