Por quê o treinador de futebol é chamado, pelos seus atletas, de professor? Respeito, admiração, conhecimentos ímpares, imposição ou “esperteza disfarçada”?
Vejamos a seguir dois trechos interessantes da tese de doutorado do professor e pesquisador Hermes Balbino apresentada a faculdade de Educação Física da Unicamp.
“Os jogos desportivos coletivos, como parte de modalidades integrantes do fenômeno complexo Esporte, têm se manifestado significativamente no cenário esportivo nacional e sua expressividade tem se confirmado com a participação significativa das seleções nacionais em eventos internacionais, com destaque para diversas conquistas de posições expressivas em Jogos Panamericanos, Campeonatos do Mundo e Jogos Olímpicos. Técnicos brasileiros de modalidades coletivas têm seus nomes ligados às conquistas das seleções nacionais e tomados como responsáveis diretos pelo sucesso das equipes”. (página xvii)
O treinamento esportivo é reconhecido como um processo complexo, em que o desempenho final do atleta ou da equipe é resultado da síntese de diversos fatores. Seu entendimento e explicação são gerados do domínio das informações das ciências do esporte, e fundamentalmente pela habilidade e competência que o técnico esportivo tem em tratar adequadamente esse conjunto de elementos presentes no ambiente de treinamento. Existe um jogo constante e dialético entre as teorias balizadoras do esporte, do treinamento esportivo, em seu relacionamento com as práticas dos técnicos. É de se considerar que o decorrer do processo de treinamento dos jogos coletivos desportivos, nosso objeto de estudo, evidencia cada vez mais o conhecimento das teorias que norteiam suas práticas, como também o desenvolvimento e estímulo constante das competências do técnico para interagir com os problemas que se apresentam”. (página 5)
O grande pedagogo Paulo Freire há muito apontou para o fato de que educar é mostrar caminhos.
Quer queiram ou não, treinadores de futebol deveriam ser professores. Sejam nas preleções pré-jogo ou nas conversas anteriores e posteriores a um treinamento tático, a troca de informações entre treinador e atletas é intensa. É preciso que existam estratégias que possam levar a todos o conhecimento. Se um jogador não compreende alguma informação, pode comprometer as estruturas táticas de sua equipe.
Um dos papéis do treinador é buscar alternativas para que todos no grupo possam entender as discussões que envolvem a tática e a estratégia de uma equipe.
No futebol os treinadores muitas vezes são tratados como grandes heróis. Como só uma equipe ganha o campeonato, é sempre maior o número de vilões do que de heróis. Muitas vezes a ele é atribuído o sucesso ou o fracasso de uma equipe. É o primeiro a perder o emprego em uma campanha desastrosa de jogos.
Se sua atuação e trabalho são tão importantes e de tamanha responsabilidade, é preciso que se entenda como ponto de partida que conhecimentos sobre táticas, estratégias, sistemas de jogo são primordiais, mas é também, dentre outros tantos, primordial compreender como desenvolver o que se pensa.
O jogador de futebol precisa aprender a ler o jogo taticamente. Aprender! Uma das atribuições do treinador de futebol é facilitar e potencializar esse aprendizado.
Apreciemos um trecho de um texto (texto que transcende o futebol) do professor João Batista Freire sobre algumas descobertas do pesquisador russo Vygotsky.
“Para Vygotsky, a aprendizagem é fator de desenvolvimento. Nessa linha, a escola não tem que esperar pelo desenvolvimento para ensinar seus conteúdos para os alunos. Aquele pesquisador russo afirmava que a escola não existe para ensinar as crianças no nível de conhecimento em que estão, mas sim, no que ele chamou de próximo nível de desenvolvimento. Ou melhor, se a criança tem um certo nível de conhecimento, por exemplo, em pular corda, o que deve ser ensinado a ela é o próximo nível desse pular corda. Ao nível atual de conhecimento Vygotsky chamou de nível A; ao próximo de B. A zona entre A e B, é a zona onde deve atuar a escola. Ou seja, B é o nível superior a A, mas que inclui A. É o nível em que a atuação da criança torna-se momentaneamente insegura, indecisa, com erros eventuais, mas na direção dos êxitos”.
Esses conceitos não se aplicam somente as crianças; se aplicam aos seres humanos; se aplicam aos jogadores de futebol. “Se o jogador de futebol e sua equipe têm um certo nível de conhecimento sobre jogar futebol (taticamente e tecnicamente), o que deve ser ensinado-desenvolvido-trabalhado com eles é o próximo nível desse jogar futebol. Sobre esse aspecto temos um exemplo mais uma vez no treinador português José Mourinho. Após conquista da Taça da Uefa, pela equipe do Porto, resolveu estruturar um “próximo nível de jogo” a sua equipe. Já tendo consolidado ao longo da temporada o 4-3-3, resolveu implementar novas lógicas dentro do jogo a partir do 4-4-2 (forma de jogar que o treinador considera “mais desequilibrada, embora igualmente eficiente, e que como tal, necessita de maior concentração”). Então, ao treinador-professor cabe estruturar seu plano de ação, encorpado em todas as questões que julga importante no seu “projeto de treinamento”.
O treinamento técnico-tático não pode ser submetido a cultura do “adestramento” onde se mecaniza, se automatiza, onde se condiciona; e o que é pior a não pensar!
O treinamento técnico-tático deve buscar o “pensamento rápido”, a leitura imediata do jogo, as situações-problema que levarão o atleta a aprender a resolver problemas.
O conhecimento sobre sistemas, esquemas, táticas e estratégias de jogo é essencial. Compreender quais as nuances de equilíbrios e desequilíbrios são possí
veis por exemplo em um 3-5-2 ou no confronto entre o 4-4-2 e o 4-3-3 têm máxima importância nos construtos que devem preencher a bagagem de conhecimento de um treinador de futebol. O mesmo é verdadeiro para o entendimento das dinâmicas de ataque, dinâmicas de defesa, princípios ofensivos, defensivos ou operacionais.
veis por exemplo em um 3-5-2 ou no confronto entre o 4-4-2 e o 4-3-3 têm máxima importância nos construtos que devem preencher a bagagem de conhecimento de um treinador de futebol. O mesmo é verdadeiro para o entendimento das dinâmicas de ataque, dinâmicas de defesa, princípios ofensivos, defensivos ou operacionais.
Há no entanto de se entender que anterior a isso tudo, é necessário compreender as bases para o exercício dos conhecimentos mencionados. Então a compreensão sobre o PENSAR ou o AUTOMATIZAR, o ENSINAR ou o ADESTRAR, o TREINAR JOGANDO ou o TREINAR MECANIZANDO, o CONHECER e o SABER alicerçam essas bases.
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br