Pois bem. Frases prontas e senso comum deixados à parte, façamos uma reflexão sobre a questão.
Quando uma equipe tem estabelecido pelo seu treinador um plano de jogo, precisa invariavelmente de dinâmicas, estratégias e subsistemas que contemplem esse plano.
O plano de jogo por sua vez deve estar associado a um modelo de jogo já estabelecido e organizado. Com as dinâmicas, estratégias, subsistemas, plano e modelo de jogo definidos (concepção) bastará, em jogo, executá-los (ação).
E é aí, que aparentemente mora o “X” da questão que me fora feita: seria o capitão da equipe o líder campal responsável por gerir as ações dos seus companheiros para manutenção daquilo que fora estabelecido pelo treinador?
Na perspectiva do pensamento e do treinamento tradicional faria todo o sentido acreditarmos que dentro do campo o capitão é uma extensão do treinador (e que portanto seria imprescindível a “existência” pontual do mesmo para se garantir o bom desempenho tático da equipe).
No entanto olhemos em outra direção.
Quando dentro de um modelo de jogo estabelecido pelo treinador, o desenvolvimento de estratégias, dinâmicas e subsistemas para uma partida (enfim plano de jogo) é iniciado, ele (o modelo de jogo) pode ter sua construção realizada de forma conjunta entre treinador, comissão técnica e jogadores.
A elaboração, construída de forma conjunta, do plano de jogo (e também do modelo), guiada e gerida pelo treinador, mas com envolvimento direto de todos (dos que concebem e dos que executam), pode e será sustentada pela crença e pensamento coletivo da equipe. Isso quer dizer que quando os executores (os jogadores) também – (guiados pelo gestor principal: o treinador) -participam e contribuem com a concepção, a execução ganha qualidade auto-sustentada.
Então, ainda que seja importante ter um jogador em campo com ascendência sobre seus companheiros de equipe, com influência positiva, não dever-se-ia atribuir e depositar nele a condição essencial para o bom andamento tático da equipe que joga.
Quando se trabalha na perspectiva de criar situações-problema para provocar reflexões, despertando nos jogadores o interesse de fazer aquilo que é melhor (que resolve com mais qualidade e abrangência), há um crescimento constante da equipe na forma de se jogar.
Por isso, construir coletivamente o modelo e o plano de jogo é despertar nos jogadores, através dos treinamentos, o entendimento dos “o quês”, por quês” e “comos”, de tal forma que as soluções e conceitos de jogo sejam algo comum ao pensamento coletivo da equipe.
Então, quando coletivamente, acredita-se em algo e esse “algo” é concebido com a participação de todos, defendê-lo e trabalhar em prol dele passa a ser uma necessidade coletiva constante. Isso quer dizer que a todo o tempo, o tempo todo cada jogador estará fazendo o melhor para o objetivo comum, auxiliando e cobrando um ao outro a favor da meta coletiva associada ao jogar.
Esse processo de construção conjunta a partir da gestão do treinador/professor é algo que a pedagogia do esporte há muito tempo estuda, discute e chama a atenção – e que José Mourinho (treinador “dois passos à frente”, da Internazionale de Milão) atribuiu um nome próprio: “descoberta guiada”.
Independente do nome que se dá, importante é entender o conceito que aí está embutido.
O fato, que por motivos inerentes a “cultura futebolística”, em geral a construção de táticas, estratégias e etc e tal é algo unilateral, que parte de treinadores e comissões técnicas em direção aos jogadores e ponto.
Para muitas pessoas que “sobrevivem” do futebol, algo do tipo “construir em conjunto” é tido ou como fraqueza do treinador ou como a chance clara para que se perca a liderança sobre o grupo.
E eu vos digo meus amigos: é justamente o contrário.
Construir em conjunto, de forma guiada realmente não é para qualquer um. Simplesmente porque exige segurança e conhecimento sobre o processo – e são poucos os que têm as duas coisas. Mas acima de tudo, construir em conjunto, direcionando e gerindo o grupo é algo que reflete de forma sintomática a capacidade de gestão e o conhecimento técnico específico dos treinadores diante de suas equipes.
Em outras palavras, quem tem medo se esconde, se protege. Quem não tem se expõe, coloca à prova, se adianta.
Capitães são importantes sim; mas sob outra perspectiva.
E você, vai se esconder?
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br