No fim, ficou para a última rodada a decisão, quase sacramentada, do título de campeão brasileiro de 2008. O São Paulo entra como Lewis Hamilton no GP Brasil de Fórmula 1. Vantagem gigantesca para ser campeão, dependendo apenas de suas forças, mas com a maior parte da torcida jogando contra.
Sim, porque nada mais sem graça para aquele que era o mais gracioso campeonato nacional de futebol do planeta do que ter o seu primeiro tricampeão da história. São quase 40 anos de Brasileirão e nunca um time foi capaz de ser três vezes seguida o primeiro colocado.
E o São Paulo deve ratificar essa condição no domingo que vem, apesar dos pesares, e talvez com tanta dificuldade quanto o inglês na F1. E, mais uma vez, muitos dirão que o título teve o dedo de Muricy Ramalho, que as defesas de Rogério Ceni foram insuperáveis, que o sistema defensivo fez a diferença, ou que Borges surgiu como artilheiro na hora em que foi mais necessário um time desacreditado se superar e ser o novo supercampeão do Brasil.
Só que boa parte do mérito dessa conquista vem de lá de trás, há cerca de cinco anos, quando o São Paulo voltou a ser um time que “incomodava” os seus adversários. Depois de uma década de relativo ostracismo pós-bicampeonato mundial, o Tricolor voltou a figurar como gente grande no Brasil e no exterior.
O terceiro título mundial, em 2005, coroou uma renovação que teve início em 2002, quando Marcelo Portugal Gouvêa se tornou presidente do clube. Naquela época, o clube vivia um período de seca de títulos e, principalmente, de instabilidade interna. Foi o ápice da discussão entre Rogério Ceni e o então presidente Paulo Amaral, que quase resultou na saída do goleiro. Não fosse a vitória de Gouvêa, muito possivelmente Rogério estaria noutro clube qualquer em 2002.
Mas Portugal Gouvêa venceu. E, numa de suas primeiras atitudes, rompeu o vínculo que o Tricolor tinha com a CBF. Deixou de pedir dinheiro emprestado, voltou a investir na formação de atletas e nas boas negociações para contratar e vender jogador.
Dois anos depois, o clube caiu nas semifinais da Libertadores. Em 2005, foi campeão. E, no ano seguinte, vice do torneio continental e campeão Brasileiro pela primeira vez após 15 anos, quebrando o maior jejum de títulos da história do Tricolor numa competição nacional.
Portugal Gouvêa tinha muito do dirigente à moda antiga, que centraliza todas as decisões, está mais preocupado com o futebol do que com o restante do clube e que sabe conduzir muitíssimo bem o relacionamento com a imprensa. Sua figura, sem dúvida, ajudou a recolocar o São Paulo no caminho da vitória e, mais do que isso, o clube no trajeto do saneamento fiscal.
Tive o prazer de entrevistá-lo incontáveis vezes como repórter do “Lance!”. Foram raras as vezes em que ele não quis atender o telefone, ou não podia fazê-lo. E, quando atendeu, sempre foi solícito e prestativo ao passar a informação. Em pouco tempo de liderança no Tricolor, Gouvêa acabou com a turbulenta relação que havia com a imprensa, tirando mais um peso das costas de atletas e dirigentes e ganhando a confiança dos jornalistas.
No último sábado, o coração de Gouvêa não resistiu. Parou de bater aos 70 anos. Muito jovem para quem costumava estar sempre preocupado com a saúde. E, mais do que isso, muito cedo para alguém que merecia, pelo menos, ver o São Paulo se tornar o clube mais vencedor dentro do Brasil. O caminho do hexa começou há questão de seis anos, com Marcelo Portugal Gouvêa. O jogo em Brasília será um mero detalhe.
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