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Tenho ultimamente dedicado uma boa parte do meu tempo em estudar e tentar desvendar os “mistérios” e “segredos” do fenômeno da auto-organização no jogo de futebol. Problemas novos e desafios grandiosos têm surgido por conta disso.
 
Percebo e me aproximo cada vez mais de um sem número de pensamentos sobre o jogo de futebol que rodeiam algo comum: “o distanciamento da lógica do jogo”.
 
Quanto mais me aprofundo nas questões que orientam a auto-organização de jogadores e equipes durante os jogos, maiores e mais claras as evidências de que têm se privilegiado o cumprimento de princípios (táticos, de ação, etc.) inerentes ao jogo em detrimento da lógica inexorável que ele apresenta.
 
Em outras palavras, decisões estratégicas estão sendo subordinadas ao cumprimento de princípios do jogo, e não da lógica do jogo.
 
Então resolvi compartilhar hoje um trecho de minha tese de doutorado na pretensa intenção de que esse texto possa se tornar um grande diálogo entre escritor e leitor:
 
Trecho retirado de Leitão (2009), p.183:
 
Durante um jogo de futebol muitos conflitos internos à lógica do jogo surgem continuamente. A cada ação com ou sem bola novos desequilíbrios são causados e o jogo se torna um sistema de permanente ordem e desordem.
 
Para cada situação-problema, decisões individuais e coletivas garantem ajustes (e por vezes desajustes) que se não observados pelas lentes da complexidade podem fazer do jogo, e nesse caso do jogo de futebol, um enigma difícil de ser desvendado.
 
Como um jogo típico de estratégias simultâneas, toda ação de um jogador no futebol desencadeia uma reavaliação situacional-posicional complexa, coletiva e individual, de companheiros e adversários no sentido de uma busca permanente a organização da equipe.
 
A configuração inicial dos jogadores no campo de jogo se modifica a todo o tempo no sentido de buscar um equilíbrio coletivo, e permanentemente se reajusta conforme necessidades individuais e coletivas vão surgindo. Essas modificações são reflexo inevitável da auto-organização da equipe no jogo e se manifestam intencionalmente nas ações para a ocupação do espaço do campo em que ele se desenvolve.
 
A ocupação do espaço de jogo pelos jogadores não é obra do acaso e está carregada de significados. Esses significados orientam e justificam a movimentação de companheiros e adversários simultaneamente a todo tempo e em qualquer que seja o contexto do jogo.
 
Diversos podem ser os “sistemas norteadores” para servirem de referência e compor significado à movimentação dos jogadores. Quanto mais bem estabelecidos esses sistemas mais eficazes podem ser as auto-organizações.
 
A plataforma tática (termo mais adequado do que “esquema tático”) é uma referência espacial importante. No “senso-comum” e para “pseudo-especialistas” serve por vezes para justificar o “defensivismo” ou “ofensividade” exagerada de treinadores e equipes; e por outras tantas é tida nada mais nada menos como uma imagem estática, uma fotografia de um momento que não existe no jogo. Se a ocupação inteligente do espaço no campo pode de alguma forma colaborar para a auto-organização de jogadores e equipes pode ser a plataforma tática um elemento de grande valia na estruturação do espaço de jogo.
 
Isso não quer dizer que esta ou aquela plataforma pode ser melhor ou pior para a organização espacial da equipe. Claro, a geometria da ocupação do espaço no campo pode acentuar desequilíbrios maiores ou menores quando em confronto com outra geometria específica. Claro também que tais desequilíbrios podem ser atenuados ou resolvidos a partir de outras referências (como melhor delineamento de um princípio estrutural ou alteração de um princípio operacional).
 
Fato é que a plataforma tática pode definir uma geometria orientadora para uma auto-organização mais adequada, especialmente e principalmente se as interações entre ela, os princípios operacionais, os princípios estruturais e outras referências inerentes a um modelo de jogo possibilitarem um desenvolvimento inteligente de jogo. Isso quer dizer em outras palavras que na perspectiva da complexidade a construção sistêmica do jogar é fractal, e portanto o delineamento de plataformas, princípios ou outras referências orientadoras em conjunto só faz sentido se as suas interações forem bem compreendidas.
 
A plataforma de jogo é apenas uma das variáveis da ocupação do espaço. Não adianta a plataforma de jogo, como estrutura básica para a construção das estratégias e táticas do jogo, prever uma distribuição harmoniosa e equilibrada dentro do campo se o entendimento da lógica que a norteia não der conta de mantê-la (a distribuição) harmoniosa e equilibrada na dinâmica das ações do jogo.

 

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