Dia desses no Café dos Notáveis, um deles (dos notáveis) me chamou a atenção, apontando que, mais uma vez, em letras garrafais, um jornal fazia referência ao fato de que muitos treinadores brasileiros continuam a defender a tese de que os jogadores europeus e os argentinos têm “mais consciência tática” do que os brasileiros.
Sem entrar no mérito conceitual sobre o que seja a tal “consciência tática”, o fato é que essa “fala” de alguns treinadores é recorrente. Até alguns dos mais renomados, quando colocados na parede para justificar uma ou outra decisão tática, ou um ou outro comportamento da equipe, profere a frase pronta, comparando a consciência tática do jogador brasileiro com a do europeu.
Chamo a atenção, então, para duas coisas.
Primeiro, ainda que meu objetivo não seja discutir conceitualmente o que é consciência tática, vejo ser necessário, sem dizer o que ela é (ou deveria ser), dizer ao menos, o que ela não é. Alguns treinadores (e não só eles) a confundem com os seus próprios desejos equivocados e precipitados de que os jogadores se comportem em campo como “robôs”, programados para receber ordens e realizar ações pré-determinadas, sem pensar, obedientes.
Nesse caso, a consciência tática acaba sendo tomada erroneamente como “obediência tática”. E aí já não poderíamos dizer que os jogadores europeus são mais obedientes, porque, na verdade, pelo contrário, são estimulados a pensar, interagir, tomar decisões e participar ativamente da construção da equipe. Então, não! Nem a consciência tática deve ser confundida com obediência tática, nem nessa perspectiva poderíamos dizer que os europeus ou argentinos são mais (obedientes), porque o que costumam mostrar é autonomia.
Em segundo, diria que se não tomarmos, então, a consciência tática como obediência (porque ela não é!), mas a aproximarmos da ideia de uma percepção e entendimento do jogo em suas circunstâncias, por parte dos jogadores, teremos que atestar que a falta dela (da” consciência tática”) é incompetência de quem gere, tanto o processo de formação de jogadores, quanto a construção e treinamento de uma equipe profissional.
Se os jogadores são estimulados, mecanicamente, a cumprir tarefas, aprenderão “roboticamente” a agir assim – “controlados remotamente”. A melhor percepção e entendimento do jogo é algo que se constroi, com a ação do treinador. Então, dizer que o jogador brasileiro tem “menos consciência tática” do que o europeu ou o argentino é o mesmo que concordar que a ação do gestor de campo no Brasil é pior do que a do gestor de campo na Europa ou Argentina.
Recentemente, como já escrevi nesse espaço, renomados jogadores brasileiros (campeões mundiais, inclusive), que por muito tempo estiveram jogando na Europa, afirmaram que nossos jogadores aprendem mesmo sobre tática quando vão jogar no Velho Continente.
Não vou entrar na essência dessa discussão. O fato é que, enquanto tratarmos nossos jogadores como inaptos, menos inteligentes ou “burros”, seremos incapazes de perceber e resolver o problema real – que está na maneira com que são estimulados na preparação para o jogar.
E para isso não há saída: ou mudamos a abordagem, ou continuaremos reforçando os mesmos jargões de sempre.
E aí, não tem jeito, porque enquanto treinadores (claro, que existem inúmeras exceções!) continuarem achando que os jogadores europeus têm “mais consciência tática” do que os jogadores brasileiros, continuarão também acreditando que os gritos (berros!) na beira do gramado sempre serão o melhor controle remoto – e que ter controle remoto é essencial.
Mas sempre há salvação. E como diria um dos nossos bons treinadores, “treinador que tem que ficar gritando na beira do gramado durante o jogo é porque não trabalhou direito durante a semana”.
É isso…
E viva a autonomia!
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br