Estádio dos Aflitos, ano de 2005. O Grêmio joga contra o Náutico pela classificação à Série A do Campeonato Brasileiro. O trabalho de ressurreição gremista está por um fio. O clube pernambucano tem um pênalti a seu favor. O gaúcho, está com três jogadores expulsos, num bate-boca interminável com o árbitro, ameaçando tirar o time de campo após a marcação da falta.
Em meio a esse cenário de caos, repórteres de televisão e rádio entram em campo para conseguir captar as frases de atletas e árbitro, tumultuando ainda mais o ambiente. Numa dessas “furadas” de bloqueio da mídia, Mano Menezes, então jovem treinador do Grêmio, é interpelado pelo repórter do Sportv. Calmamente, ele afirma:
“O jogo ainda não acabou. Estou tentando tirar meus jogadores para que o pênalti seja batido. E aí veremos o que acontece”.
O pênalti é defendido e, no lance seguinte, o Grêmio faz um gol, vence o jogo e assegura a volta à elite do futebol brasileiro, naquela partida que ficou epicamente conhecida como “A Batalha dos Aflitos”.
Batalha que só não existiu, de fato, por causa de Mano Menezes.
Naquele dia, Mano mostrou um equilíbrio raríssimo de se ver em treinador de futebol brasileiro. Sua calma aparentemente contagiou o time do Grêmio. Sem levantar a voz, sem jogar para a torcida, sem deixar se perturbar pela presença de jornalistas em meio a um momento terrivelmente decisivo para o seu próprio trabalho. Naquele momento em que respondeu ao repórter do Sportv que o time precisava de calma (e, indiretamente, deixou claro que reprovava a presença do repórter dentro de campo), Mano começou a selar o destino mais brilhante de sua carreira.
Talvez ali, naquele instante, estivesse surgindo um treinador preparado para aguentar todo tipo de pressão. A ascenção de Mano foi rápida depois que passou a dirigir equipes de grande porte. Do Grêmio para o Corinthians e, daí, para a seleção brasileira, com 48 anos de idade. Esse episódio da “Batalha dos Aflitos” é o momento emblemático na carreira de Mano. Esteve próximo de ser um fracasso retumbante, mas consagrou-se exatamente por mostrar maturidade para o cargo que ocupava.
No especial que esta Universidade do Futebol trouxe nesta última semana, conseguimos compreender um pouco mais dessa característica de Mano. Ficou claro, pelo menos para mim, que ele tem uma visão bem além das quatro linhas. Futebol não se decide só em campo. São vários os elementos que formam o ambiente de uma equipe, de um clube.
Nunca um treinador chegou à seleção brasileira tão bem preparado para lidar com a delicada relação com a mídia. Tudo bem que, depois de Dunga, nunca foi tão fácil ser minimamente simpático com a mídia. É só questão de dar bom dia…
Mas Mano, diferentemente da maioria dos treinadores recentes da seleção brasileira, sabe que a imprensa faz parte desse ambiente. Apesar de todos os males que ela pode proporcionar, a mídia está incrustada no cotidiano do futebol, dependente e fundamental para a sua existência como grande força do mercado esportivo.
Dunga caiu por achar que futebol se faz como na várzea, ou nos rincões do país. Quem entende é quem joga bola, e o resto deve aceitar isso. Mano é o oposto de Dunga nesse pensamento. Tanto que foi o primeiro treinador a aderir ao Twitter, sabendo-o usar como ferramenta de comunicação com o público. Mostra de alguém antenado e preparado para lidar com as diferentes plataformas de contato com as pessoas.
É com esse perfil que, de fato, uma renovação no time nacional pode começar.
Para interagir com o autor: erich@universidadedofutebol.com.br