Pai,
você é o culpado por tudo.
Você levará consigo, por toda sua vida, a culpa por ter inoculado em mim o veneno do futebol.
Confesso que nem lembro, nas reminiscências infantis, quando foi que isso aconteceu pela primeira, única e eterna vez.
De tão cedo e remoto episódio, nem me dei conta se gostava ou não gostava. Se queria ou não vivenciar a montanha-russa de emoções e experiências que o futebol me proporcionaria, na vida e na profissão.
O livre-arbítrio, nesses casos, não se aplicava.
Menos ainda se se tratasse de escolher o time para o qual se sonharia torcer. Caso de desonra, cuja pena, no mínimo, seria a deserdação. É, tá até no Código Civil. Seria indigno de sua herança.
Sua culpa vai além, pois não cansava de ver as partidas ao meu lado, e ensinar, na base dos comentários, o que um jogador devia ou não devia fazer, na técnica, na tática, na conduta.
Ainda, por haver ensinado a torcer com paixão. A torcer sem paixão, mas com razão. A torcer contra o rival, “secar”.
Como não bastasse, fui testemunha ocular dos seus melhores jogos. Mas o maior prazer já teria sido vê-lo jogar.
Porém, para minha surpresa, chegamos a praticar o delito conjuntamente. Eu e você, jogando no mesmo time, lembra?
Acima de tudo, sua culpa é indefensável e irretratável, na medida em que me tornei um espelho seu, no caráter.
E como o futebol é um espelho de nossas vidas, nossa imagem refletida nesse espelho carrega aquilo que somos.
Carrego o seu nome nas costas.
Essa é a pena que teremos que cumprir juntos, pro resto de nossas vidas.
Definitivamente, amo o futebol graças ao meu pai.
Para interagir com o autor: barp@universidadedofutebol.com.br