“Pouco se aprende na vitória, mas muito na derrota”. O ditado japonês pode parecer óbvio, mas impõe um grande desafio a cada revés: pinçar algo que seja efetivamente produtivo durante um momento de consternação.
Porque aprender com os erros é mecânica primitiva, mas também é extremamente doloroso. Para usar outros dois clichês, quedas fazem parte do aprendizado de conduzir uma bicicleta e enfiar o dedo na tomada é o jeito mais rápido de aprender o efeito de uma corrente elétrica. Entretanto, raramente paramos para assimilar o que aprendemos a cada tombo ou a cada choque. Não antes de lamentar, chorar e praguejar.
Também é assim no esporte. Erros em um jogo podem servir como aprendizado técnico, tático, físico ou mental, mas assimilá-los leva tempo. A primeira reação a cada derrota é lamentar. Lamentar muito.
O ex-tenista Fernando Meligeni teorizou certa vez sobre o desgaste mental que a modalidade dele provocava. “O tênis é um esporte de perdedores”, disse o atleta na época. A lógica dele é que há muitos torneios no ano, e mesmo o mais vencedor entre os esportistas acaba a temporada com mais reveses do que triunfos.
O que separa os medianos dos grandes, e isso não é exclusividade do tênis, é como eles lidam com as derrotas. A tristeza é reação natural a um tropeço, mas não pode virar resignação ou prostração.
Pensava em toda essa conversa com detestável aspecto de autoajuda durante a 36ª rodada do Campeonato Brasileiro de futebol, realizada no último fim de semana, mas fiquei ainda mais entretido com isso depois do término dos jogos que definiram o descenso do Palmeiras, a classificação do São Paulo para a fase preliminar da Copa Santander Libertadores e o número limitado de atrações da reta final do certame nacional.
A 40 jogos do fim, o Campeonato Brasileiro tem pouca coisa a ser resolvida. Há uma vaga aberta na zona de rebaixamento, uma possibilidade de troca entre o segundo e o terceiro colocado… E só.
E qual a relação entre a dor do Palmeiras, a falta de atrações das duas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro e os cinco primeiros parágrafos do texto?
Comecemos pelo Palmeiras, elo mais óbvio com o tema. Porque a dor da torcida alviverde é latente e muito maior do que o resultado. O rebaixamento é triste, e isso é evidente, mas o que mais chama atenção é a reação a ele.
Porque um time rebaixado perde muito mais do que a vaga na elite; perde autoestima, respeito e projeção de futuro, atributos que, no caso de um time do tamanho do Palmeiras, são como alicerces de grandeza. E aí é fundamental que ninguém passe incólume por esse revés.
E ninguém é um conceito extremamente abrangente, mesmo. Porque o rebaixamento é drástico e precisa gerar reações drásticas. É hora de choro incontido, de reações exacerbadas e de não saber brincar.
Só que a diretoria do Palmeiras não pensa exatamente assim. A começar pelo presidente do clube, Arnaldo Tirone, que deu uma preocupante entrevista à “ESPN Brasil” antes do empate com o Flamengo. Na conversa, o mandatário disse que a situação complicada da equipe alviverde não era responsabilidade da diretoria, dos atletas ou da comissão técnica. Era mais do acaso ou de uma sucessão de infelicidades.
E na tarde de segunda-feira, para coroar o discurso de “ninguém é culpado”, Tirone foi flagrado pela revista “Veja” tomando sol em uma praia do Rio de Janeiro. Ora, ele estava de folga e tem direito de curtir folgas. Mas precisa lembrar que é o representante máximo de uma instituição e que esse tipo de atitude pode determinar direções para um momento de crise.
Na semana que antecedeu o descenso, Tirone preocupou-se com a transição. O Palmeiras terá eleição presidencial no início do próximo ano, e ele conseguiu uma coalisão de alguns grupos políticos para assegurar a permanência do técnico Gilson Kleina e estabelecer diretrizes para o departamento de marketing.
Tudo isso é mais do que necessário, sobretudo no atual momento do Palmeiras, mas não pode ser dissociado de um planejamento específico para a crise. Como símbolo, Tirone tinha de passar a noite no clube. Tinha de passar o dia no clube. Tinha de avaliar erros, consertar procedimentos e iniciar uma reação imediata.
Em vez disso, o Palmeiras preferiu oferecer ao torcedor um tempo para curtir a dor. E o risco que o clube corre nesse caso é o da resignação. Ninguém que acompanha um time com esse tamanho pode achar normal uma situação tão drástica. Nenhum adepto pode pensar que a vida segue normalmente ou que é possível aproveitar uma segunda-feira de sol.
Porque a resignação é um passo importante para o fim do amor ao clube. Aliás, é um pouco do que diz a coluna do jornalista Clóvis Rossi na edição de segunda-feira do jornal “Folha de S.Paulo” (o link, somente para assinantes, está disponível aqui, ó: http://tinyurl.com/bmjadyy). Em resposta, um amigo jornalista disse que “torcer dá trabalho”. Mas quantas são as pessoas que têm amor realmente incondicional por um time? Quantos são os que têm esse trabalho?
São poucos, infelizmente. E todos, torcedores doentes ou apenas simpatizantes, sentem falta de um Palmeiras grande. Querem que o clube incomode, que os rivais vibrem com seus insucessos. Querem que os reveses motivem mais do que segundas-feiras de praia.
Afinal, o que vai ser do Palmeiras nas duas últimas rodadas do Campeonato Brasileiro? Aliás, o que vai ser do Campeonato Brasileiro? Como evitar que a competição tenha um enorme astral de fim de festa?
Os detratores do sistema de pontos corridos correram para dizer que isso é um reflexo do formato de disputa. Eu retorno à autoajuda: dizer isso é resignação.
Quem já disputou uma prova de esporte individual entende um pouco mais. Um corredor amador, por exemplo, não vive de ganhar provas. Normalmente, vive de pequenas conquistas individuais – um tempo melhor ou uma evolução na condição física, por exemplo.
Se o campeonato determina apenas um vencedor, nenhum time pode achar que ser sexto é igual a ser décimo. Pequenas vitórias são fundamentais.
Posso ser um pouco repetitivo ao dizer isso, mas o Campeonato Brasileiro precisa repensar todo o plano de comunicação (se é que existe um, é claro). Só com uma promoção adequada a competição nacional pode estabelecer reais valores para os participantes. Cada posição na tabela deve ser valorizada, sim. Esse é um conceito que todos nós precisamos aprender, e aprendizado coletivo só acontece com comunicação adequada.
Há um texto que eu cito sempre, escrito pela Luciana Keiko, que é brilhante ao analisar isso (tá aqui, ó: http://tinyurl.com/cydorlb). Ela não fala de esportes, mas ensina muito sobre aprendizado. Aprender é um processo dispendioso, e ter consciência disso é um grande passo que todos nós podemos dar.
É assim com o Palmeiras, que vive agora um dos piores momentos de sua existência. É assim com os jogos inócuos do Campeonato Brasileiro. É assim com todo mundo que pensa em trabalhar com esporte ou que sofre muito com as intempéries do mercado. Porque, para usar outra citação, é como disse Carlos Drummond de Andrade: “A dor é inevitável. O sofrimento é opcional”.
Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br