Um grande sábio que eu tenho a honra de conhecer costuma dizer que "o futebol explica a vida". Esse sempre foi o adágio usado por ele para justificar qualquer metáfora baseada em cenários ou episódios ludopédicos. Afinal, qual a trajetória humana, o jogo com a bola nos pés é feito de aprendizados, exige decisões urgentes, apresenta caminhos diferentes para um objetivo comum e suscita emoções absolutamente dicotômicas.
O futebol, assim como a vida, demanda estratégia e conhecimento, que em muitos momentos podem ser simplesmente empíricos. As decisões em campo frequentemente são guiadas pelo mesmo instinto que faz com que as pessoas se desloquem entre móveis à noite, com a luz apagada. E não são poucas as topadas para mostrar quanto esse comportamento é perigoso.
Contudo, a evolução do jogo tem limitado o espaço para o empirismo. Com uma margem de erro menor, o futebol exige planejamento e eficiência. É o fim do período romântico – e não apenas em campo, é claro.
Essa realidade tem aspectos positivos, mas causa vítimas. Quem não se adapta ao novo cenário é engolido por ele. É o cerne do projeto da Arena Juventus, prédio que será erguido na Rua Javari e remodelará um dos mais tradicionais e charmosos estádios de São Paulo (veja mais aqui, ó: http://tinyurl.com/a7fb3lg).
O espaço para topadas no futebol é cada vez menor. Jogadores, treinadores ou dirigentes não têm mais dedinhos para arriscar. Ainda assim, a comunicação segue recorrendo a axiomas que há muito deixaram de ser irrefutáveis.
E o pior é que isso gera um efeito cascata: os comunicadores, formadores de opinião, disseminam opiniões que contrariam a nova lógica do esporte. É nítida a defasagem nesse aspecto.
A visão sobre esporte nos Estados Unidos é um exemplo disso. Parte muitas vezes das próprias ligas uma profusão de análises e dados estatísticos, mas há sites, blogs e emissoras de TV que complementam ou refinam os números.
Ah, e você pode até dizer que estatísticas e números deixam a transmissão chata. Você pode até dizer que isso acrescenta pouco e que o jogo é decidido em campo. Você só não pode ignorar que muitas vezes isso é útil. A decisão sobre quantas ou quais informações são aproveitáveis não deve partir de quem comunica, mas de quem recebe o conteúdo.
Pense então na quantidade de câmeras, no excesso de ângulos diferentes para cada lance e no imenso banco de dados das ligas dos Estados Unidos. Se houver um lance bonito ou polêmico, a transmissão precisa de poucos instantes para recuperar um episódio similar ocorrido em uma edição passada.
José Trajano, comentarista da "ESPN", costuma dizer que os gols de campeonatos de futebol na Europa parecem mais bonitos do que os tentos marcados no Brasil, e que isso acontece pelo somatório entre qualidade de imagem e quantidade de câmeras. A comparação óbvia é o cinema: uma cena bonita e bem filmada tem sempre mais impacto.
Se o futebol não é jogado como era e não é gerido como era, é impossível que ele continue sendo analisado do mesmo jeito. Falei em conteúdo e em formato, mas isso também vale (e muito) para linguagem.
Como bem lembrou o blog do site "Trivela" nesta semana, a mídia inglesa tem discutido muito nos últimos dias os preços de ingressos da Premier League (o post está aqui, ó: http://tinyurl.com/br6ml9j). O debate foi incentivado por uma faixa de protesto de torcedores do Manchester City, que tiveram de pagar 62 libras para ver o jogo contra o Arsenal no estádio Emirates, em Londres.
Os protestos sobre o preço do ingresso geraram, aqui e lá, discussões sobre o novo público que frequenta estádios. Os valores de entradas são mais altos, e isso limita a participação da população menos abastada. O estádio de futebol vira local de elite.
A inflação nos bilhetes é necessária. Pode se mostrar contraproducente no médio ou no longo prazo, mas é mais provável que seja irreversível. O dinheiro oriundo de entradas e de consumo no interior dos estádios é uma receita imprescindível para os clubes.
Em nome de uma receita parruda de match day, clubes não têm outra saída: precisam do público com mais poder aquisitivo. Por consequência, há uma mudança até no perfil das pessoas que vão aos estádios e dos que veem futebol pela TV.
Ainda sobre o tópico público, há algo que eu já comentei várias vezes aqui: o jeito de consumir informação e entretenimento mudou. O nível de exigência das pessoas também é diferente.
Então, o que temos é isso: o futebol é diferente, as pessoas são diferentes e a relação das pessoas com o futebol é diferente. No Brasil, só a comunicação não evoluiu com a mesma velocidade.
Afinal, qual foi a última grande mudança no formato de transmissão de esporte no Brasil? O tira-teima? A câmera sobre o campo, que foi usada em dois ou três jogos internacionais pela "Globo" e posteriormente abandonada? A câmera superlenta? É pouco.
E quando eu falo de recursos tecnológicos, é claro que a primeira mídia que vem à pauta é a TV. Entretanto, a discussão pode ser ampliada para outros veículos e outras plataformas. Com exceção da internet, que é nova por essência, o que mudou no esporte brasileiro?
Uma saída encontrada pelas ligas dos Estados Unidos e pela Fifa é gerar o próprio conteúdo. Transmissões da Copa do Mundo de futebol são geradas para o mundo inteiro por uma mesma empresa. Isso garante a qualidade do conteúdo, mas também pode servir para aspectos como a divisão do tempo de exposição dos patrocinadores.
O único senão é que a criação de um padrão nacional de transmissão de futebol não depende de uma ou outra emissora. Isso depende de o esporte nacional se organizar como entidade, o que parece, infelizmente, o caminho oposto do que acontecerá nos próximos anos.
Sobra aos profissionais que trabalham com comunicação no esporte, portanto, a evolução individual. Está claro que o meio precisa evoluir e que tem necessidade de novos formatos, mas isso depende de um nível de organização que nós não temos (e nem parecemos dispostos a ter).
O que pode mudar, então, é o conteúdo. Para isso, os profissionais precisam de mais preparação e de uma boa dose de aprofundamento. É fundamental sair do raso em searas que fazem parte do novo cotidiano do futebol, como gestão, medic
ina, fisioterapia, psicologia e outras.
Há poucos anos, a abordagem multidisciplinar era um diferencial apenas para as pessoas que trabalham diretamente no esporte. Hoje em dia, trata-se de uma visão insuficiente até para quem transmite o jogo para a população.
O futebol brasileiro precisa deixar de ter uma visão míope, restrita. Essa mudança, assim como na vida, só pode começar por quem forma opiniões.
Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofutebol.com.br