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A coluna é sobre futebol e o site é a Universidade do Futebol, mas peço licença para começar falando de outro esporte. A história que abre o texto aconteceu no último domingo, em Kuala Lumpur, no Grande Prêmio da Malásia de Fórmula 1. O evento também pode ser lembrado como o pódio mais triste da história do esporte.

Por motivos diferentes, Sebastian Vettel (Red Bull Racing), Mark Webber (Red Bull Racing) e Lewis Hamilton (Mercedes), os três primeiros da prova, exibiram no pódio expressões que em nada condiziam com o resultado. A sensação contraditória foi agravada por uma entrevista realizada durante a premiação.

O procedimento, aliás, é uma das inovações recentes da Fórmula 1. A categoria passou a entrevistar os pilotos que formam o pódio de cada etapa. A ideia era captar declarações efusivas, festas e emoção, mas o último domingo mostrou que o momento posterior a uma corrida também pode servir para desabafos e constrangimento.

A começar por Vettel, atual tricampeão do mundo, autor da manobra mais polêmica do GP da Malásia. Ele estava em segundo, atrás de Webber, e ignorou um pedido da Red Bull para que os dois pilotos reduzissem o ritmo. Enquanto o líder desacelerou, o alemão aproveitou e tomou a dianteira.

Na entrevista posterior à corrida, Vettel tentou contemporizar. O alemão admitiu ter errado e pediu desculpas a todos pela insubordinação. Em vez de comemoração, o que ele mostrou foi puro constrangimento.

Webber, jogado ao segundo posto da corrida, estava bem menos contido. Em vez de abatimento ou rubor, o australiano exalava indignação no pódio da Malásia. A sensação era de que faltou uma faísca – uma declaração atravessada de Vettel, por exemplo – para ele cobrar na festa a atitude do companheiro na pista.

O último componente do pódio era Hamilton. Mas, segundo ele mesmo, não por méritos. "[Nico] Rosberg devia estar aqui no meu lugar. Ele fez um trabalho fantástico", disse o inglês.

Nas voltas finais, Hamilton teve de economizar combustível e diminuiu o ritmo. Nico Rosberg, companheiro dele na escuderia Mercedes, estava atrás e tinha mais velocidade. Ele chegou a pedir que a equipe ordenasse uma inversão de posições. Contudo, pensando na classificação do campeonato, a diretoria rechaçou a ideia.

"Ele teve um ritmo melhor na corrida. Sendo honesto, acho que ele deveria estar aqui [no pódio]", completou Hamilton, evidentemente consternado.

São muitas histórias para apenas uma corrida, mas todos esses episódios servem para discutirmos conceitos fundamentais de comunicação. Afinal, a Fórmula 1 teve um embate duro entre o que deve ser falado e o que deve ser omitido.

Como qualquer produto de mídia, a Fórmula 1 depende de jogo de cena. Essa é a justificativa para a categoria não oficializar a existência de trabalho em equipe – a prioridade estratégica a um piloto é um acordo tácito, que a cúpula da disputa teima em não reconhecer.

Temos, então, um enorme jogo de cena. Por não admitir que as equipes podem controlar posições de seus pilotos e ordenar inversões em nome da classificação, a Fórmula 1 cria uma imagem falsa e extremamente frágil.

Por outro lado, temos um excesso de verdade nas declarações dos pilotos. Entrevistas feitas logo depois de competições sempre são suscetíveis a reações passionais ou exacerbadas.

Sobre isso, existe uma excelente passagem na autobiografia do tenista norte-americano Andre Agassi (Agassi, Autobiografia – Globo Editora, 2010). O ex-atleta admite que não se lembra de praticamente nada do que falou aos repórteres que o interpelaram na quadra. Preocupado com o jogo ou tomado por adrenalina, ele perdia o controle sobre a conversa.

É essa falta de controle que muitos repórteres buscam quando entrevistam atletas. O momento é uma explicação fundamental para tantos deslizes e tantas histórias engraçadas registradas assim.

A primeira coisa que a corrida da Fórmula 1 ensina é que é impossível mentir para o público. Se você trabalha com comunicação, é fundamental ser honesto. Ou parecer honesto, pelo menos. Construir um perfil ilibado com base em jogo de cena é um risco enorme para a credibilidade. E uma competição vende, antes de qualquer coisa, a própria credibilidade.

Na outra ponta, a Fórmula 1 também ensinou que o organizador deve se preocupar com as histórias que o evento conta. Criar um procedimento de entrevista no pódio é legal para aumentar a exposição de patrocinadores, mas é um risco para o clima da festa.

A saída, nesse caso, é assumir um pouco mais o controle da interação com a mídia. A organização deve pensar no momento e nos assuntos ideais para abordar com os pilotos. Criar polêmicas e mostrar insatisfação dos atletas são posturas honestas, mas que podem arranhar a imagem do evento.

Atualmente, o Real Madrid tem mais jornalistas trabalhando no clube do que qualquer veículo que cobre o cotidiano merengue. O que justifica essa concentração é que a equipe tenta controlar o acesso à informação. Com mais gente produzindo conteúdo, é mais fácil blindar atletas e reduzir o contato entre eles e os setoristas. Assim, também é mais fácil disseminar "versões oficiais".

A comunicação depende de estratégia. Antes de falar, é necessário saber o que falar e como falar. Se um evento não pensa nisso e oferece todo tipo de fonte à mídia, é bom estar preparado para deslizes.

E o que o futebol pode tirar de tudo isso? Em primeiro lugar, é fundamental repensar o modelo de entrevistas que se tornou popular no Brasil. O acesso a jogadores depois de um jogo é cômodo para a imprensa, mas demanda um planejamento muito grande de quem faz a comunicação de clubes, entidades e campeonatos.

Jornalistas costumam reclamar da pasteurização da informação. Normalmente, usam o excesso de entrevistas coletivas e a dificuldade de acesso como argumentos para isso.

As coletivas e a informação oficial como base são um caminho irreversível. Clubes, entidades e campeonatos precisam zelar por patrocinadores e conteúdos que desejam ver na mídia. Para isso, precisam tentar controlar o material distribuído.

Não defendo, porém, que os repórteres se acomodem com isso. A blindagem do conteúdo é fundamental para garantir os interesses de quem organiza. Fazer jornalismo, invariavelmente, é contrariar isso.

Millôr Fernandes disse: "Jornalismo é oposição. O resto é armazém de secos e molhados". O problema é quando a imagem não é debelada por quem está na redação, mas pela própria mídia oficial.

Para interagir com o autor: guilherme.costa@universidadedofut
ebol.com.br

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