Sabemos que o desempenho esportivo é multifatorial. Posto isso, acreditar que o sucesso advém exclusiva ou predominantemente de uma variável reduz o olhar sobre a complexidade que envolve o jogo de futebol.
Para os profissionais da modalidade, a variável metodologia de treinamento é uma das que tende a ganhar exclusividade e sempre proporciona calorosas discussões. Para justificar a utilização do método analítico, integrado, sistêmico ou suas combinações, diversas opiniões são expressas, contendo os argumentos e os porquês da preferência por um ou outro método.
Quem acompanha as colunas que publico na Universidade do Futebol tem ciência que opto por uma metodologia sistêmica que, numa sessão de treino, não separa as vertentes do jogo.
E, invariavelmente, todos os profissionais do futebol, querendo ou não, pelo menos por algum momento fazem uso do método sistêmico. Afinal, o que é o treinamento coletivo senão uma atividade global, semelhante ao jogo, portanto, sistêmica?
Considerações à parte, já são muitos os profissionais do futebol que optam, para além do trabalho coletivo, pelo método de treino sistêmico. Para isso, fazem uso de diversos elementos (manipulação das regras, redução do número de jogadores, alteração nas dimensões do campo, delimitação de setores, etc.) para a elaboração do treinamento tentando proporcionar situações-problema próximas as que ocorrerão nas partidas oficiais.
Um dos elementos muito utilizados é o dos curingas durante as atividades. Geralmente, os curingas são utilizados nos jogos em que a comissão técnica pretende facilitar a ocorrência da superioridade numérica para a equipe que detém a posse de bola. Sendo assim, com as duas equipes no jogo o curinga sempre participa ofensivamente auxiliando o ataque para uma equipe. Caso esta equipe perca a posse de bola, imediatamente o curinga passa a jogar para a equipe que a recuperou.
Algumas limitações em relação à inteireza/totalidade do jogo são oriundas da utilização deste tipo de recurso. São elas:
• Restrição da participação do curinga em dois momentos do jogo: a organização defensiva e a transição defensiva. Esta restrição limita consideravelmente a leitura de jogo do atleta. Como ele sempre tem a posse de bola não lhe é exigido a reação imediata de transição defensiva. Além disso, atacar exclusivamente pode criar o mau hábito de não assumir riscos na organização ofensiva, pois independentemente de sua decisão voltará a atacar.
• A transição ofensiva com estruturação de espaço inadequada. Apesar da sua ocorrência (quando o curinga muda de equipe), o referido momento do jogo também é influenciado negativamente. O ideal para a construção da transição defesa-ataque é ter uma equipe organizada em seu momento defensivo para que a ocupação do espaço, de acordo com a circunstância, permita um bom início do ataque com todos os membros da equipe cientes de como estão posicionados. Como o curinga não participa da organização defensiva, ao adversário recuperar a bola, ele não está posicionado em função da equipe que ele passará a auxiliar.
• Ausência de jogo, portanto, de "estado de jogo". Como o atleta sempre ataca, ele não participa da atividade podendo perder, empatar ou ganhar. Logo, os pressupostos necessários para que ele “mergulhe” num ambiente de jogo, que potencialize sua aprendizagem, fica comprometido.
Estas limitações impactam no princípio da especificidade, norteador do processo de treinamento. Quem opta pela utilização do curinga, deve saber em que nível se encontra o jogador para que os efeitos da atividade com superioridade numérica, em uma parte importante do sistema, não sejam indesejados.
E, para não perder o costume: você utiliza curingas em suas atividades?