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O publicitário Nizan Guanaes, presidente do grupo ABC, não entende nada de futebol. Foram esses os termos que ele usou para admitir desconhecimento sobre o assunto em um texto publicado como anúncio na edição de sexta-feira do jornal “Folha de S.Paulo”. Ainda assim, foi justamente futebol o assunto escolhido pelo executivo – a Copa do Mundo de 2014, mais especificamente.

No anúncio, Nizan diz que amigos estão empolgados com a Copa de 2014. Como justificativas, o publicitário usa a presença de oito campeões mundiais e a paixão que o povo brasileiro tem pelo futebol.

Nizan também cita o perfil do público local: “O australiano vai ficar três horas esperando um avião num bar de aeroporto, onde ele vai conhecer um grupo de brasileiros cearenses, que vão ficar amigos dele para o resto da vida, inclusive Vilma, com quem o australiano vai casar e ter quatro filhos”.

Com base nessa argumentação, Nizan conclui que o Mundial de 2014 será “A Copa das Copas”. E essa afirmação, sobretudo no atual momento, não pode ser retirada de contexto.

Em primeiro lugar, tudo no texto deve ser relativizado: o grupo ABC controla contas de empresas que patrocinam futebol e a Copa do Mundo, e Nizan é um defensor contumaz do país, do mercado e do esporte como ferramenta de comunicação.

No entanto, é no mínimo curioso que um dos principais executivos de comunicação do país diga algo como: superem os problemas, resgatem o amor pelo futebol e curtam a Copa do Mundo. É quase um slogan integralista.

A mídia britânica tem uma visão muito mais cética sobre essa linha de pensamento. A Inglaterra dividirá o Grupo D da Copa do Mundo com Uruguai, Costa Rica e Itália. Na primeira fase, os súditos da Rainha jogarão em Belo Horizonte, Manaus e São Paulo.

A previsão dos ingleses é que essa sequência causará um desgaste gigantesco por causa das viagens e das mudanças climáticas. Se sobreviver a um grupo tecnicamente forte, a seleção britânica carregará ao mata-mata o peso dessas intempéries.

A Copa do Mundo de 2014 será a Copa do extracampo. Será a Copa em que as seleções serão afetadas por aspectos como mudanças climáticas, torcida e viagens. No altíssimo rendimento, pequenos fatores são preponderantes para a resolução de qualquer partida. Sim, a discussão é muito mais densa do que horário, quantidade de jogos ou desgaste gerado apenas no torneio.

Mas, a organização de uma Copa do Mundo não depende apenas do que vai acontecer em campo. Um evento desse tamanho é uma chance de escancarar virtudes e vender um projeto de todo o país.

E qual é o projeto do Brasil para o futebol, afinal?

Você não sabe responder, aposto. Ninguém sabe, na verdade. Durante anos, todas as autoridades envolvidas em eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos argumentaram que o investimento nos eventos seria justificado pelo retorno e pelas possibilidades que eles abririam. Mas como auferir retorno se você não sabe qual é o objetivo?

O risco que o Brasil corre é mostrar ao mundo o quanto é incompetente. O país tem potencial para ser o maior mercado consumidor de futebol no mundo, mas não aproveita.

Essa é a análise que precisa ser feita após tudo que aconteceu nas últimas semanas. Depois de um acidente, a previsão de término do novo estádio do Corinthians, em Itaquera, foi postergada para abril. Abril de 2014. Dois meses antes do início da Copa. “Em todos os casamentos em que eu estive, a noiva sempre atrasou. Mas a cerimônia nunca deixou de acontecer”, disse Aldo Rebelo, ministro do Esporte.

Além disso, torcedores de Atlético-PR e Vasco protagonizaram cenas de barbárie na Arena Joinville, na última rodada do Campeonato Brasileiro.

Até que o inquérito seja concluído, é impossível determinar culpados para o que aconteceu em Itaquera. Mas é possível dizer que quase ninguém é inocente sobre o atraso nas obras e pelas cenas tristes de Joinville.

Arrigo Sacchi, que foi técnico da seleção italiana na Copa do Mundo de 1994, disse uma vez que o futebol é “a coisa mais importante entre as menos importantes”. Já passou da hora de tratarmos o esporte como algo verdadeiramente relevante.

Só assim poderemos pensar em procedimentos e em todos os detalhes. Só assim a experiência toda do torcedor será levada a sério.

Casos como os de Itaquera e o de Joinville precisam ser discutidos em diferentes âmbitos, mas eu limito o debate aqui ao que eles representam para o produto futebol. É imprescindível que isso seja colocado em contexto.

A Copa do Mundo, nesse sentido, é uma vitrine. É uma chance de o Brasil vender o país e o futebol local. E qualquer problema que aconteça fora de campo pode comprometer essa “venda”.

É normal que eventos assim, até pela visibilidade que geram, atraiam manifestações populares. É natural que diferentes movimentos tentem aproveitá-los para aparecer. O que não pode acontecer é o torcedor ser prejudicado.

Se um torcedor vier ao Brasil e for roubado, isso vai repercutir. Se vier e participar de uma briga no estádio, isso vai repercutir. E o mercado nacional, que já está aquém do potencial, perderá a chance de usar uma alavanca enorme.

Tecnicamente, a Copa de 2014 pode até superar as adversidades do país e apresentar bons jogos. Nos outros segmentos, improvisar é mais difícil. É por isso que a previsão de Nizan pode se confirmar em campo, mas vai ser apenas parcial. A Copa das Copas depende de o Brasil começar a medir um pouco mais as consequências dos problemas que o país enfrenta.

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