O Vasco ainda sofre as dores decorrentes da última rodada do Campeonato Brasileiro. No dia 8 de dezembro, jogando em Joinville, o time carioca perdeu para o Atlético-PR por 5 a 1 e foi rebaixado à segunda divisão do certame nacional. Mais do que isso: os torcedores das duas equipes protagonizaram cenas de batalha nas arquibancadas do estádio catarinense. Naquele dia, o futebol inteiro perdeu.
Prova disso foi dada na última segunda-feira pela montadora Nissan. A empresa, que havia assinado em julho um contrato de patrocínio ao Vasco, decidiu romper o vínculo porque não aceitou ter sua imagem associada às cenas de barbárie ocorridas em Joinville.
O acordo com a Nissan renderia ao Vasco um total de R$ 28 milhões em quatro anos. Em comunicado oficial, porém, a montadora classificou as imagens de Joinville como “inaceitáveis” e “incompatíveis com os valores e princípios sustentados e defendidos pela empresa em todo o mundo”.
A Nissan não deixou de investir no esporte brasileiro. A marca ainda é a montadora oficial dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016, que serão realizados no Rio de Janeiro, e conta com um grupo de mais de 30 atletas patrocinados no país. A empresa não perdeu a fé no esporte, mas mitigou a aposta no futebol.
Nesse caso, a resiliência é difícil a ponto de não ser necessariamente uma virtude. O esporte é uma plataforma de comunicação extremamente eficiente, sobretudo porque lida com emoções muito afloradas. Mas o esporte não está imune a ser abespinhado por mazelas do mundo.
Atlético-PR e Vasco faziam um jogo que valia muita coisa – o time paranaense jogava por classificação para a Copa Bridgestone Libertadores, e os cariocas tentavam evitar a queda para a segunda divisão nacional. Era um duelo com elementos suficientes para ser muito lembrado por tudo que aconteceu em campo. Agora, desafio rápido: se alguém pedir a você para citar imagens da partida, quanto tempo você leva até pensar em um gol ou lance que aconteceu dentro das quatro linhas?
O que fica do jogo é a selvageria. O que fica é o confronto entre as duas torcidas nas arquibancadas. O que fica é o saldo de cinco feridos: quatro adeptos e o futebol, que ainda está em estado grave.
É essa a principal mensagem que a Nissan transmitiu ao romper contrato com o Vasco. Afinal, outros patrocínios de outras empresas sobreviveram a uma enorme lista de polêmicas. Chegar ao inaceitável é a maior prova do quanto a imagem do esporte pode ser abalada pelo que acontece fora do campo de jogo.
O golfista Tiger Woods perdeu patrocínios quando explodiu um escândalo de casos extraconjugais – ele chegou a ser internado para tratar o vício em sexo. O nadador Michael Phelps também findou contratos após ter sido flagrado fumando maconha em uma festa. Nenhum deles, contudo, fechou tantas portas quanto o ciclista Lance Armstrong, cuja carreira foi inteiramente manchada por um extenso esquema de doping.
Pessoas são passíveis de erro. Instituições são feitas de pessoas. Instituições também são passíveis de erros. Escândalos existem em muitos segmentos. O que assusta é chegar a um ponto em que essas celeumas debelam o potencial de comunicação de todo um segmento.
Porque é esse o efeito das cenas de Joinville. A Nissan não deixou apenas o Vasco, mas reduziu a confiança na plataforma futebol. Já passou da hora de o esporte começar a se perguntar o porquê disso.
Um paralelo pertinente nesse caso é o mercado de mídia. A Globo não é a TV que mais atrai patrocinadores apenas porque tem as maiores audiências. Isso também acontece porque a emissora oferece estabilidade. Antes de colocar dinheiro no canal, uma marca consegue ter uma noção clara do que esperar como retorno.
Que estabilidade oferece um segmento em que as cenas que mais repercutem na rodada decisiva aconteceram na arquibancada e não tiveram nada a ver com futebol? Que estabilidade oferece um segmento em que o principal evento nacional vai ser decidido nos tribunais, ninguém sabe ao certo quando? Mais de uma semana depois dos jogos, a última rodada do Campeonato Brasileiro ainda não acabou.
Todos os casos devem ser analisados com a profundidade que merecem, é claro. Mas é impossível ignorar que esse pacote (violência, STJD e mudanças que o tribunal faz na classificação dos times) causa um dano indelével à imagem do futebol.
A primeira coisa que qualquer um (pessoa ou empresa) busca ao decidir fazer um investimento é justamente a estabilidade. É saber que o seu dinheiro vai render e saber qual será essa valorização. Atualmente, com quais argumentos eu convenço alguém a apostar no futebol brasileiro?
A meses de receber uma Copa do Mundo, o futebol brasileiro precisa urgentemente pensar nisso. O país viu em 2013 a Copa das Confederações, que já podia ser usada como exemplo nesse sentido. A despeito de manifestações fora dos estádios e de conflitos descabidos entre público e agentes responsáveis pela segurança, o evento teve nível de excelência: boa organização, estádios cheios e pessoas bem tratadas no interior desses aparatos.
Os eventos “padrão Fifa” estão longe da perfeição. Estão longe de outros segmentos, como o mercado de shows musicais. Mas já estão a anos-luz do que é feito no futebol do Brasil.
Ouvi recentemente uma entrevista do cantor Marcelo D2 que serve como exemplo nesse aspecto. Preocupada com a queda de vendas de CDs, a equipe dele mudou radicalmente a estratégia de comercialização do novo lançamento. A principal aposta foi a criação do que eles chamaram de pocket stores.
O conceito funciona da seguinte maneira: a equipe aluga por poucos meses um espaço pequeno em uma cidade. O local funciona como uma loja para o novo CD, mas também reúne produtos promocionais ligados ao músico. E mais importante: tem uma agenda de eventos ligados a Marcelo D2. Uma pessoa pode entrar na loja e se deparar com um show intimista dele ou da banda dele. Ou pode simplesmente comprar um produto das mãos do artista, com autógrafo e um tempo para interação. Além de apresentações musicais e sessões de autógrafos, o cantor chegou a trabalhar como caixa e vendedor nesses equipamentos.
Com tudo isso, as pessoas ganharam um argumento para a compra do CD. O consumidor pode seguir desacreditando no produto, mas a chance de investir cresce muito depois de ele ter tido acesso a um conteúdo exclusivo e emocional. É a tal da venda da experiência.
Tente pensar no potencial que o esporte tem para isso. Quanto o segmento venderia se soubesse usar a interação das pessoas com ídolos e com os times que eles amam?
A imagem do futebol podia ser essa. Em vez disso, o Brasil prefere batalhas em arquibancadas e decisões arbitrárias em tribunais. Enquanto for assim, é compreensível que marcas como a Nissan escolham outros caminhos. É compreensível que elas saiam do segmento pensando em todo o potencial desperdiçado.
O Brasil podia ser o país do futebol. Podia
ter o maior mercado consumidor de futebol no planeta. Mas isso não vai acontecer enquanto as pessoas esperarem que o próprio mercado se regule e entenda como fazer a comunicação adequada.
No ano em que o Brasil teve o campeão da Libertadores, bonitos gols e um time que “sobrou” no principal torneio nacional, os assuntos foram o menino Kevin Beltrán Espada, as brigas de torcedores e o STJD. E aí não há comunicação que sobreviva.