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O francês Charles Baudelaire (1821 – 1867) fez, no livro “Pequenos poemas em prosa”, uma comparação entre comportamentos do público e de um cachorro. A alusão é cruel, pois visceral e explícita. “Deem um balde de excrementos, e ele vai chafurdar”, disse o escritor em um trecho. Serve para as pessoas, serve para os cães.

A discussão proposta por ele àquela altura era sobre controle da informação. Na Europa do século 19, com acesso limitado à cultura e um leque restrito de opções, o público consumia o que tinha para consumir. Simples assim.

Esse paradigma, contudo, sofreu muitas alterações desde o século 19. O poder de determinar o que é relevante passou paulatinamente das mãos de quem produz para quem consome. Basta pensar no quanto o advento do controle remoto, por exemplo, alterou o hábito de relação com a mídia e influenciou no comportamento dos usuários.

Durante o século 20, toda a evolução da comunicação foi pautada por isso. Quando a televisão iniciou atividades, havia um misto de encantamento pela nova plataforma e de parca oferta de conteúdo. As pessoas viam porque estavam interessadas naquela tela, mas não podiam escolher o que ver.

O crescimento exponencial da oferta de conteúdo e a facilidade para migrar entre os canais foram minando, década a década, a fidelidade. A relação próxima entre consumidor e produtor de informação, que existia nos veículos impressos e até nas rádios, teve alteração drástica na televisão.

Pela primeira vez em séculos, as pessoas puderam escolher. E isso influenciou diretamente o comportamento de quem produz conteúdo. A audiência passou a ser um termômetro instantâneo e incontestável sobre o que é verdadeiramente eficiente e relevante na mídia.

Só que esse modelo sofreu nova revolução antes que estivesse minimamente consolidado. A internet, com velocidade e volume que só a internet oferece, extrapolou radicalmente os preceitos que a TV havia instituído.

Sobretudo depois das redes sociais, a internet mudou de forma contundente o paradigma de interação entre público e informação. Esse processo chegou a ponto de tirar as pessoas até mesmo da condição de consumo – hoje em dia, qualquer um tem plataformas próprias e pode produzir conteúdo.

Então, o público deixou de ter nas mãos apenas o poder de escolher o canal. As pessoas podem dizer que tipo de informação elas querem, em qual momento e em que formato. Se não encontrarem isso pronto, elas ainda têm a opção de produzir sem esperar iniciativa de algum grupo de mídia.

O público não chafurda mais em qualquer balde de excrementos. O público sequer responde da mesma forma a estímulos usados anteriormente. A audiência instantânea deixou de ser um termômetro tão eficiente e tão conclusivo sobre o que é verdadeiramente importante na comunicação.

Essa mudança de postura do público é o cerne de episódios emblemáticos. As pessoas que foram às ruas do Brasil no meio de 2013 e protestaram por diferentes motivos são o substrato de indignações coletivas, disseminadas e discutidas em ambientes como a internet.

A aproximação que a internet promoveu entre as pessoas também fomentou os “rolezinhos”, movimentos marcados por jovens em redes sociais. Os adolescentes foram a shoppings centers, mecas do consumo e do luxo. Formaram grupos extensos e foram reprimidos, ainda que não tenham cometido nenhum delito. Como bem escreveu o jornalista Leonardo Sakamoto, blogueiro do portal “UOL”, não é preciso ser sociólogo para perceber aí uma enorme vontade de afirmação e de mostrar ao restante da sociedade que esses meninos existem.

O que eles fizeram nos shoppings, guardadas as proporções, é o que eles fazem na mídia. Os usuários comentam, interagem com conteúdos e querem ter uma voz cada vez mais presente. Definitivamente, o consumo passivo de informações está morto.

Tudo isso devia fazer parte de uma análise estratégica de comunicação. São elementos que ajudam a explicar comportamentos e que podem guiar ações em diferentes âmbitos. Agora responda: em quais momentos o esporte levou isso verdadeiramente a sério?

Pensei em tudo isso durante a polêmica acerca do desfecho do Campeonato Brasileiro de 2013. Entre guerras de liminares, disputas em diferentes tribunais e revisões na lista de rebaixados, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) tem mostrado um imenso desprezo pela nova condição de seus consumidores.

O silêncio da entidade que organiza a competição e as seguidas mudanças de panorama sobre a temporada 2014 debelam a credibilidade do evento, é verdade. Mas fazem pior: mostram que o futebol nacional age como um mundo alheio, independente de anseios e interesses de quem é realmente consumidor.

Uma das principais mensagens que essa celeuma transmite é: o futebol brasileiro é assim. Você, torcedor ou apaixonado por esporte, não tem outra opção para colocá-lo no dia a dia. Portanto, conforme-se.

Só que o público é cada vez menos conformado. Essa é uma realidade mundial decorrente das mudanças da sociedade nos últimos séculos. E o futebol brasileiro ignora tudo isso.

E quais são os riscos? Inicialmente, é claro, a falência. Toda a história negativa do Campeonato Brasileiro de 2013, acompanhada pela queda de nível e por um cenário que nunca esteve sequer próximo do ideal, vai afastando gradativamente os consumidores. O futebol flerta com a perda de relevância.

“Ah, mas o futebol é algo arraigado na cultura brasileira. Não vai deixar de ser importante”. Faça um esforço de memória, então: quantas pessoas disseram que vão deixar de acompanhar o Campeonato Brasileiro desde a polêmica no STJD?

Em última instância, a insatisfação pode gerar revolta. É assim desde que o mundo é mundo. E o futebol brasileiro, prepotente, ignora qualquer possibilidade de isso acontecer.

Passou da hora de o público deixar de ser tratado como um bando de cachorros. Passou da hora de as pessoas serem ouvidas, respeitadas e abordadas de forma profissional. O futebol e a sociedade precisam disso.

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