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É difícil falar no estilo que o Barcelona imprimiu na última década sem falar de Xavi Hernández. O dono da camisa 6 da equipe catalã é um meio-campista com raro talento para organizar e “ler” o jogo, e por isso consegue ser ao mesmo tempo um armador prolífico e uma opção constante para receber a bola. Xavi pode ter desenvolvido tudo isso nas categorias de base ou em treinamentos, mas essas são características inatas. Um perfil do atleta publicado pelo jornal “El País” diz que ele já mostrava isso quando brincava com amigos na rua – orientava, identificava espaços nos times adversários e planejava movimentações, por exemplo.

Mas este não é um texto sobre Xavi. Aliás, o foco aqui é um ex-jogador que é quase uma antítese de tudo que o meio-campista espanhol simboliza: Filipo Inzaghi, que vai assumir na próxima temporada o comando do Milan.

Inzaghi era um centroavante com muito poder de definição, mas não demonstrava como atleta um nível refinado de conhecimento sobre o que acontecia no restante do campo. Não tinha uma leitura fantástica sobre defesas adversárias e tampouco exercia papel fundamental para dar ritmo ao time ou abrir espaços.

Quando foi contratado pelo Milan, em 2001, Inzaghi estava perto de completar 28 anos. Já havia passado por Piacenza, Verona, Parma, Atalanta e Juventus. Também já tinha conquistado em 1997 o título de melhor jogador jovem do Campeonato Italiano.

No Milan, Inzaghi conheceu o auge. Transformou-se em centroavante decisivo e foi fundamental para a equipe em várias conquistas, incluindo duas edições da Liga dos Campeões da Uefa. Foi convocado pela Itália e integrou a seleção que venceu a Copa do Mundo em 2006.

É difícil explicar o que fez de Inzaghi um jogador especial. Sorte, talvez. Capacidade técnica, física e mental, certamente. Difícil é imaginar um jogador assim, com participação pequena no todo e uma leitura de jogo que muitas vezes foi motivo de piadas – sobretudo pela altíssima quantidade de vezes em que ele se precipitava e recebia passes em impedimento – como alguém que entende sistemicamente o andamento de uma partida.

Esse é o primeiro estereótipo que Inzaghi derrubou no trabalho “Uma mentalidade para ser vencedor”, que ele usou para concluir o curso de treinador da Federação Italiana de Futebol (FIGC, na sigla em italiano). O texto é de alguém que entende, sim, o que acontece em um campo de futebol.

O que mais chama atenção é que Inzaghi não teve tempo para estudar depois da aposentadoria e planejar a transição. Ao contrário: encerrou a carreira como atleta em 2012, com direito a um gol e muitas lágrimas no jogo de despedida, e meses depois começou a treinar equipes de base do Milan.

Inzaghi pode ter evoluído nos dois anos em que comandou equipes jovens do clube italiano, é verdade, mas ainda assim é surpreendente ver o nível de entendimento que ele tem sobre o jogo. Isso não quer dizer que ele vai ser um grande treinador no futuro ou que ele tenha enorme preparação para o novo ofício. Entender o jogo é como entender a vida, mas conhecer a totalidade do quadro não é necessariamente suficiente para desenvolver as melhores soluções.

Na última semana, depois de o Milan ter anunciado que Inzaghi será o novo treinador da equipe principal, o site “Soccer Translator” publicou o trabalho de conclusão de curso que o ex-jogador apresentou à FIGC (veja aqui, ó: http://www.soccertranslator.com/2014/03/thesis-review-mentality-to-be-winners.html). O arquivo original está em italiano, seguido de uma resenha escrita em inglês.

O trabalho de Inzaghi tem 60 páginas divididas em dois blocos. O primeiro tem seis capítulos, e o segundo é composto por quatro. O ex-jogador fala sobre o ofício de um treinador, abordagens psicológicas, trabalhos mentais e como todas essas coisas podem convergir para o sucesso no futebol.

“Você pode definir o sucesso como um resultado favorável ou vantajoso no fim de cada ação tomada”, definiu Inzaghi. “E somando conceitos de vários autores você pode dizer que há uma relação entre psicologia e sucesso”, completou treinador neófito.

Ler o trabalho de Inzaghi é muito bom para entender a linha de pensamento do técnico. A começar pela relação com a sorte: apesar de sempre ter sido considerado um jogador “iluminado”, o italiano defende que não há sorte no futebol. Em vez disso, ele acredita numa combinação entre eficiência e força psicológica.

“Na realidade, hoje, com o conhecimento para iniciar uma nova viagem que não tem nada a ver com o que eu fiz como jogador, que é a primeira experiência como treinador, eu levo em conta quantas coisas são necessárias para um bom técnico. Liderar um grupo, saber como relacionar os aspectos individuais, encarar críticas, programar e delegar, manejar sucesso e fracasso, mediar conflitos, tomar cuidado da comunicação interna e externa e lidar com as competências técnicas”, enumerou o técnico.

O Inzaghi jogador era um definidor simples e eficiente. O Inzaghi treinador ainda não mostrou uma cara entre os profissionais, mas o Inzaghi estudioso de futebol mostra um perfil que está muito mais para Xavi: detalhista, sistêmico, preocupado com meandros.

O maior desafio que ele vai ter agora será incutir nos outros jogadores os conceitos que ele defendeu no trabalho. Inzaghi vai precisar priorizar a comunicação e as relações institucionais. Ele já mostrou que sabe ler o jogo, mas ainda precisa dizer se sabe como transformar isso em proposta e como transmitir essas ideias.

O desafio dele hoje é muito maior do que apenas anotar gols. Inzaghi mudou de posição. Hoje, como todo técnico, precisa ser mais organizador e mais líder. Mas, tomando o trabalho de conclusão de curso como base, o novo comandante do Milan sai muito na frente da maioria nesse sentido.

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