Morumbi, 6 de junho. A seleção brasileira enfrenta a Sérvia no último amistoso de preparação para a Copa de 2014. Uma semana antes de abrir a competição contra a Croácia, na mesma São Paulo. Até por isso, o jogo é lento no primeiro tempo. E a torcida da capital paulista, conhecida por ser exigente, vaia o time nacional. Vaia. Uma semana antes de a equipe local sediar um Mundial pela primeira vez desde 1950.
O clima de São Paulo sintetiza muito do que o Brasil tem vivido às vésperas da Copa do Mundo de 2014. Na semana que precede o evento, a cidade tem vivido um caos por causa de uma greve dos metroviários. Marco Polo del Nero, presidente da Federação Paulista de Futebol (FPF) e futuro mandatário da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), minimizou a situação: “Se tiver greve até o dia da abertura da Copa, vamos de carro”.
Em junho de 2013, os protestos populares foram uma das principais marcas da Copa das Confederações realizada no Brasil. Não deve ser diferente em 2014, e a Copa do Mundo deve servir como mote para uma série de manifestações.
Grandes eventos atraem isso. É normal que algo do tamanho da Copa do Mundo seja cercado por manifestações que tentam aproveitar de forma lícita os holofotes. Foi assim com a Copa da África do Sul, em 2010. Foi assim nos Jogos Olímpicos de Londres-2012.
O caso no Brasil não é a existência de protestos. O caso é que uma manifestação realizada em São Paulo no último fim de semana, o penúltimo antes da Copa, tinha cartazes contra Ronaldo, maior artilheiro da história dos Mundiais e membro do Comitê Organizador Local (COL) de 2014.
A despeito de ser um dos responsáveis por colocar a Copa de pé, Ronaldo já admitiu que está “com vergonha”. Também disse, em sabatina do jornal “Folha de S.Paulo”, que “a Fifa está arrependida” e que “jamais veremos outra Copa por aqui”.
As manifestações populares não são causadas pela Copa. Não podiam ter sido evitadas e não podem ser reduzidas a oportunismo. Para entendê-las é necessário entender de forma mais abrangente a população brasileira. As vaias para a seleção brasileira, as críticas de Ronaldo e as reações às declarações dele, contudo, refletem um dos maiores problemas do Mundial no Brasil: a ausência de um plano de comunicação competente.
O público não vaiou a seleção brasileira apenas porque o jogo contra a Sérvia estava empatado por 0 a 0 ou porque reprovou a atuação da equipe nacional. Vaiou porque houve um distanciamento entre torcida e time, e isso foi causado, entre outras coisas, por uma sensação de “não pertencimento”. É como se as pessoas que estão na arquibancada não fizessem parte da Copa.
Talvez seja esse um dos motivos de existir uma sensação geral de que não há clima de Copa no Brasil até agora. Estou em Cuiabá para acompanhar a primeira fase da competição, e aqui apenas o comércio tem qualquer alusão ao evento. Com exceção de alguns carros decorados, é difícil imaginar que a cidade sediará a principal competição esportiva do planeta.
Quando o Brasil recebeu a Copa do Mundo de 1950, a TV ainda engatinhava. A internet não era sequer um sonho distante. Portanto, o torneio deste ano será o evento mais midiático da história do país. Nunca os olhos do mundo estiveram tão voltados para cá.
O risco que o Brasil corre é não conseguir aproveitar isso. Sem o tal “clima de Copa” e sem ensinar à população local a importância do evento, a competição pode ser apenas um torneio de futebol. Com um plano adequado, há potencial para muito além disso.
A Copa pode ser um sucesso a despeito dos protestos populares, ou pode ser um fracasso também por causa deles. O fato é que, sem uma estratégia de comunicação para todo o evento, toda a sorte da organização está nas mãos do que acontecer dentro de campo.
E o problema não é apenas organização. O Brasil está atrasado, e muitas das obras que o país havia planejado para a Copa simplesmente não vão ficar prontas. A discussão aqui é sobre a comunicação de um evento.
Nos Estados Unidos, a liga profissional de basquete (NBA) teve casos bizarros neste ano. Nos jogos de playoff em San Antonio, houve registros de uma cobra nos vestiários e de falha no ar condicionado. A organização de um evento pode falhar em qualquer lugar do planeta.
Agora, tente ir a qualquer lugar dos Estados Unidos e perguntar quais são os times que disputam a decisão da NBA. Tente perguntar as datas dos jogos. Tente perguntar os locais. A promoção é o primeiro aspecto que diferencia a cultura deles e a nossa.
Esse é um dos principais problemas que cercam a Copa do Mundo de 2014. O evento ainda nem começou, mas o Brasil já dá claros sinais de que não saberá explorar todo o potencial. O que fazer com audiência e com os turistas? O que fazer com as pessoas que conhecerão o país? O que fazer com o dinheiro arrecadado?
Até 1990, a Copa do Mundo era disputada em poucas sedes e concentrava os jogos em regiões do país-sede para facilitar a logística. Isso mudou em 1994, nos Estados Unidos, e a competição foi “nacionalizada” para fomentar viagens internas dos turistas.
A Copa do Mundo de 2014 terá 12 sedes. Foram quase 3 milhões de ingressos vendidos. E qual é o incentivo que um turista que chega a Salvador, por exemplo, tem para visitar outras capitais? Qual é a comunicação que alguém recebe em Porto Alegre para conhecer Curitiba ou Natal?
A Copa do Mundo ainda não começou, mas o Brasil já tem em andamento um jogo extremamente complicado. O placar está adverso, e uma virada parece extremamente improvável. Não há nem clima para isso.