O Rio de Janeiro foi invadido. Belo Horizonte e Cuiabá também. A primeira rodada da Copa do Mundo de 2014 ainda nem acabou, mas dois aspectos já chamam atenção na competição realizada no Brasil: a presença expressiva de torcedores oriundos de países da América do Sul e o barulho proporcionado por esse público.
Argentina e Colômbia jogaram, respectivamente, contra Bósnia e Grécia, dois times que enviaram menos torcedores ao Brasil para a Copa. Chile e Austrália anunciaram oficialmente o mesmo tamanho de turistas no país do Mundial – cada nação disse ter enviado cerca de 20 mil pessoas. Ainda assim, o grupo de chilenos parecia ser muito mais numeroso e barulhento. O hino nacional cantado à capela na Arena Pantanal não deixou dúvidas.
Mesmo a Argentina, que em tese tem a maior torcida contra na Copa de 2014, jogou contra a Bósnia no Maracanã como se o estádio carioca fosse em Buenos Aires. Tingido de alviceleste, o estádio que abrigará a decisão da Copa de 2014 viu os gritos de apoio aos sul-americanos sobrepujarem com folga o apoio dos locais à seleção da Bósnia.
Em parte, a festa dos sul-americanos no país da Copa se assemelha ao que aconteceu em 2010. Nas quartas de final do Mundial, quando Gana passou a ser o único representante da África, a maioria da população da África do Sul adotou a seleção. Os uruguaios eram minoria absoluta no duelo mais emocionante daquela competição – com direito a pênalti cometido por Suárez no último lance da prorrogação, desperdiçado por Asamoah Gyan, e vitória celeste nos tiros livres.
O ambiente daquele jogou tornou ainda mais monstruosa a vitória do Uruguai. O jogo foi disputado no estádio Soccer City, que recebeu 84.017 espectadores. Os sul-americanos não passavam de mil. Ainda assim, só eles romperam o silêncio que se seguiu o pênalti perdido por Asamoah Gyan.
A diferença entre as Copas de 2010 e 2014 é a relação do público com a seleção local. Na África do Sul, o povo abraçou realmente a equipe local. A despeito de terem sido o primeiro anfitrião eliminado na primeira fase em toda a história dos Mundiais, os sul-africanos foram celebrados e impulsionados pelas arquibancadas durante a campanha.
O Brasil pode repetir nas próximas partidas o que se viu entre os sul-africanos em 2010, mas é pouco provável. A começar pela relação do público local com a seleção canarinho – bem menos passional e entusiasmada. Além disso, há uma questão do comportamento nos estádios: a sede de 2014 não tem vuvuzelas, coreografias para a seleção ou gritos que vão além do “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”.
Vá lá, a estreia do Brasil na Copa de 2014 aconteceu em São Paulo, e o público paulista é historicamente menos entusiasmado com a seleção. Mas não há como não notar o contraste entre o ambiente que cercou a seleção – mesmo com hino cantado à capela pelo público – e o que se viu nos jogos de outros sul-americanos.
O ambiente da Copa do Mundo tem confirmado um dos maiores problemas da preparação do Brasil para o evento: o país gastou mais de US$ 15 bilhões para receber a competição, mas investiu pouco em comunicação.
Esse é um dos grandes motivos, por exemplo, das vaias a diferentes políticos brasileiros em estádios da Copa – o caso que repercutiu mais, evidentemente, foi o da presidente Dilma Rousseff, que ouviu apupos e xingamentos no Itaquerão durante a abertura da Copa. Não tenho pretensão de discutir os motivos sociológicos ou o que representou politicamente o comportamento do público – muitas pessoas já fizeram isso –, mas esse é um exemplo de um ambiente que não estava totalmente comprometido com o jogo.
Os torcedores que vaiam e xingam políticos podem não ser os mesmos que reclamam por Neymar usar cueca com publicidade nos jogos ou reatar um namoro às vésperas da Copa, mas é curioso que o comprometimento dos atletas seja monitorado por um público que não é exemplo de entrega ou relação apaixonada com a seleção.
Os brasileiros podem até festejar vitórias, reunir famílias e sofrer com os jogos da equipe nacional, mas a questão aqui é outra: quanto eles representam de apoio nos estádios? Quanto é possível sentir que a seleção canarinho joga em casa?
Até aqui, a Copa de 2014 criou um enorme ponto de interrogação sobre isso. Por não ter usado estratégias simples de comunicação e por não ter trabalhado para construir um ambiente favorável, o Brasil corre o risco de ser forasteiro numa competição jogada em casa.
E aí não adiantam narrações ufanistas ou coberturas midiáticas que tentam mascarar problemas. O Brasil tem pontos positivos, é claro, mas as coisas ruins sempre chamam mais atenção. É assim em qualquer lugar e em qualquer evento.
A questão é que uma comunicação adequada poderia amenizar isso. Ou poderia ao menos criar um ambiente mais favorável para a seleção brasileira. A Copa de 2014 já serviu para torcedores locais mostrarem que sabem festejar e sabem ser acolhedores. Só ainda não serviu para mostrar que eles sabem ser uma torcida verdadeiramente impactante.