Há uma questão muito latente no mundo do futebol que evidencia a dificuldade de vermos o desenvolvimento deste mercado por meio de uma curva com crescimento exponencial: todos querem deixar uma marca e construir a própria história dentro do clube.
Esse conceito é, em partes, resultado do formato de constituição dos clubes, que é feito por meio de ciclos, geralmente atrelados às eleições presidenciais e também aos campeonatos – a característica das disputas acaba por gerar, ironicamente, um vício na forma de gerir uma entidade esportiva, que é totalmente diferente do modelo que se percebe no meio corporativo.
Como cada dirigente quer deixar sua marca na história do clube, ao novo presidente não interessa formar jogadores para o futuro ou estar entre os 10 primeiros do campeonato deste ano para ficar entre os 5 nos anos subsequentes e, de alguma maneira, conquistar títulos por força de um processo natural de gestão, ou seja, uma consequência do bom trabalho.
Ao dirigente, o que vale, é ser vitorioso, pois dali a 2 ou 4 anos estará fora da gestão do clube e, portanto, não interessa o passivo que deixou para seus sucessores. Interessa, pois, o resultado esportivo.
Por tal constatação é que o desenvolvimento dos clubes é cíclico, em formato de espiral, e não linear para cima e para a frente!!! A cada novo mandato se tem uma nova forma de aprender a gestão, sempre tendo como pauta a conquista da próxima competição, com a falsa alegação de “que a torcida vive de vitórias” ou “do contrário, o clube irá acabar”. Por isso há estagnação e, às vezes, até retrocesso: cada um quer construir a história do seu jeito, sem tentar aprender lições do passado.
A boa dose de individualidade misturada com a prepotência e o orgulho pessoal impedem que os clubes construam bases sólidas de planejamento para uma ou mais décadas. E o pior: muitos dos que entram nos clubes acham que entendem de futebol, uma vez que acreditam acumular alguma expertise do lado de fora, olhando a todos os jogos e noticiários, sem ao menos ter estudado a fundo a matéria – é o vício do “espectador experiente”.
Essa é a razão pela qual o futebol brasileiro permanece aquém de muitos mercados globais. E continuaremos a ver esse retrocesso ao longo de alguns anos se não modificarmos drasticamente as estruturas de poder dentro destas instituições. O Prof. Dr. Gustavo Pires assim nos ensina:
“A ordem desportiva institucionalizada já não consegue acompanhar o ambiente de mudança acelerada dos nossos dias (…) O desporto, de uma maneira geral, está envolto em um processo de desagregação acelerada que faz com que toda a sua estrutura se esteja a modificar rapidamente, sem que os próprios protagonistas compreendam com que lógica e em que sentido. Nesta conformidade, podemos dizer que, no quadro da sociedade atual, as transformações se processam, na maioria das vezes, a uma velocidade maior do que a capacidade de análise que as organizações e as suas lideranças revelam ser capazes de processar. Em consequência, limitam-se a correr atrás dos acontecimentos”.
Não existe segredo: o conceito de se formar atletas, fidelizar torcedores para que se atraia investimentos de patrocinadores pela força da marca, além de poder gerar melhores dividendos com mídia e licenciamento está consagrado mundo afora. A consolidação destes fatores leva tempo e o trabalho deve ser bem feito de forma constante e perene, com resultados alcançados no médio-longo prazo.
Precisamos pensar em um modelo que atenda a angústia dos dirigentes em deixar sua marca com a necessidade da organização em se planejar e construir algo positivo para o futuro. Do contrário, continuaremos a “chover no molhado” quando falarmos em planejamento, projetos, processos (…) para o atual quadro de dirigentes e o atual modelo de constituição dos clubes.