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Nasceu em Lourenço Marques (hoje, Maputo) e faleceu, em Lisboa, no dia 5 de Janeiro de 2014, o Eusébio da Silva Ferreira, ainda com 71 anos de idade, visto que só atingiria os 72, no próximo dia 25 do mês em curso. O mundo inteiro conhecia-o por Eusébio tão-só, ou pelo Pantera Negra, e fazia dele um dos mais notáveis jogadores de futebol de todos os tempos. Para o Manuel José, antigo jogador do Benfica e atual treinador de indiscutível qualidade, na RTP1, no dia do passamento do Eusébio: “Ele foi o maior jogador da história do futebol português”.

António Simões, seu companheiro de equipa e seu amigo, corroborou a ideia do Manuel José, salientando também que ele era simultaneamente vedeta, ídolo e… operário, pois que havia jogos em que ele, exímio atacante, se sacrificava, batalhando, no primeiro terço do campo, como qualquer defesa. Di Stéfano, presidente honorário do Real Madrid, ao saber da morte do Eusébio, opinou, emocionado e convicto: “Foi o melhor jogador de futebol de todos os tempos”. De referir que o Eusébio emitia igual juízo do Di Stéfano: “Para mim, o Di Stéfano foi o maior jogador de futebol de todos os tempos”.

E o Eusébio vira jogar o Garrincha, o Pelé, o Maradona, o Cruyff, o Messi, o Cristiano Ronaldo e outras figuras relevantes da prática do futebol. Coluna, telefonicamente, pois que vive no Maputo, disse à televisão portuguesa, de voz embargada pela emoção: “Estou triste! Muito triste!Ele era meu filho! Ele era meu filho!”. Seguiu-se um silêncio estático e sentiu-se que o Coluna, o grande capitão da equipa benfiquista do Eusébio – sentiu-se que o Coluna chorava.

Para o dr. António Oliveira, jogador-artista e “portista” dos quatro costados: “os restos mortais do Eusébio deveriam repousar no panteão nacional. João Malheiro, o seu biógrafo oficial e amigo dileto, não escondeu, transbordante de ventura: “O Eusébio não morreu. Ganhou a eternidade”.

“In illo tempore”, a ausência de desenvolvimento económico e a extrema desigualdade entre as classes sociais; o facto de a União Nacional, o partido único, ser um cadáver insepulto e a Igreja do Cardeal Cerejeira (seu “amigo do peito”), depois de a Pacem in terris e de o Concílio Vaticano II, ter desaparecido de cena; o nascimento e o renascimento dos movimentos de libertação, nas colónias africanas – enfim, o salazarismo tornara-se praticamente inócuo e Portugal vergava-se ao peso de um crescente descrédito internacional. Pois nessa lusitana década de sessenta, governada por uma gerontacracia política que nem o próprio marcelismo conseguiu susbstituir ou erradicar, o Benfica é campeão europeu, o Sporting conquista a Taça dos Vencedores das Taças e a seleção nacional é a terceira entre as melhores seleções do mundo. E o Eusébio, um executante de suma mestria, ficou “per omnia saecula saeculorum” ao lado dos melhores da história do futebol.

Eu, que nasci no dia 20 de Abril de 1933, vi jogar várias vezes o Senhor Eusébio da Silva Ferreira que muito fazia sofrer o adepto do Belenenses, que eu sou. Aliás, se me é aqui permitida uma nótula de caráter pessoal, o Peyroteo foi também um rematador inspirado e, por isso, quero trazê-lo ao proscénio, para acrescentar que muito me doíam os golos que ele então fez aos “azuis”. Peyroteo e Eusébio – tinham lugar seguro, na seleção nacional que o Cristiano Ronaldo encima. Mas, adiante! Todos somos tempo. Daí, que a morte seja uma das coisas mais naturais da vida. A nossa imortalidade provém do legado que deixamos às gerações vindouras.

O Fernando Peres (ex-Belenenses e ex-Sporting), meu querido amigo, assinalou, na Sport TV: “O Eusébio é imortal, principalmente pelo exemplo que nos deixou”. Fisicamente, todos morremos. É, pelo espírito, pela corporização daqueles valores sem os quais impossível se torna viver humanamente, que nos imortalizamos. Relembro também Nelson Mandela…

Frequentemente exaltado pelos seus colegas e adversários – todos distinguem nele a sua humildade, ou seja, um homem que, embora um superdotado, timbrou em cumprir o seu dever, um mestre que foi permanentemente discípulo, um profissional sui generis que nunca desertou de fazer da prática desportiva um espaço onde se é melhor, não só pelos desempenhos físicos, mas também pelas qualidades verdadeiramente humanas.

O Desporto precisa de praticantes, como o Eusébio da, Silva Ferreira. O filósofo grego, Aristóteles, disse que “não oferecer ao humano mais do que o humano é atraiçoá-lo”. Queria ele dizer na sua que o programa do humanismo deve ser o da passagem do humano a mais humano. Viver, verdadeiramente viver, é ser capaz de transcender-me. Pelo trabalho, pela generosidade, pela honestidade de processos. Uma palavra de gratidão ao atual presidente do Sport Lisboa e Benfica, que sempre viu e distinguiu o Eusébio, como futebolista inigualável, mas também de um aliciante humanismo. Dante, numa das suas obras, confessou ser cidadão do mundo, na mesma medida em que os peixes são cidadãos do mar.

Cidadão do mundo, ou seja, de olímpica força de ânimo, de aliciante bondade, de inteligente tolerância. Eusébio da Silva Ferreira – desportista porque foi Homem, Homem porque foi desportista! Gaspar Ramos, inesquecível dirigente do futebol benfiquista, afirmou que o Eusébio divide em dois a História do Benfica: antes e depois de Eusébio.

No meu modesto entender, também a História do Futebol Português. Porque foi um atleta de inigualável valia? Sem dúvida! Mas também porque cumpriu exemplarmente todos os deveres inerentes à condição humana, tomada esta no seu sentido criador. Que descanse em paz!

E, para terminar, não escondo que estou ao lado dos que defendem que os restos mortais de Eusébio deveriam repousar no panteão nacional, em Lisboa. Pois não é verdade que o desporto é o fenómeno cultural de maior magia, no mundo contemporâneo? Sobrepairante a todos os juízos, ergue-se a voz de Pelé: “Lamento a morte de meu irmão Eusébio”. De facto, Pelé e Eusébio eram da mesma família – a dos génios!
 

*Manuel Sérgio é antigo professor do Instituto Superior de Educação Física (ISEF) e um dos principais pensadores lusos, Manuel Sérgio é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa, Doutor e Professor Agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa.

Notabilizou-se como ensaísta do fenômeno desportivo e filósofo da motricidade. É reitor do Instituto Superior de Estudos Interdisciplinares e Transdisciplinares do Instituto Piaget (Campus de Almada), e tem publicado inúmeros textos de reflexão filosófica e de poesia.

 

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