O fim da farra que a Unimed promovia no Fluminense é o exemplo mais escancarado de algo que permeará toda a temporada 2015 do futebol brasileiro: a realidade financeira do esporte mais popular do país precisou mudar. Afundados em dívidas não equacionadas, os principais clubes nacionais tiveram de repensar suas despesas e reduzir o patamar que haviam estabelecido em anos anteriores. Isso criará uma natural fuga de talentos e estabelecerá um novo desafio para os profissionais de comunicação. Com mais rotatividade, o papel do ídolo terá de mudar.
No Fluminense, o aporte que a Unimed fornecia permitia que jogadores recebessem salários muito superiores às receitas do clube. Fred tinha vencimentos em torno de R$ 900 mil mensais, por exemplo, e Darío Conca chegava a R$ 750 mil a cada 30 dias.
Outros jogadores já foram submetidos à mudança de realidade. Diego Cavalieri chegou a pedir R$ 520 mil para renovar com o time carioca, não acertou e foi ao mercado. Para fechar com outra equipe, teve de reduzir drasticamente o patamar.
Em entrevista ao “UOL Esporte”, Gilmar Veloz, empresário do técnico Tite, disse que ele receberá menos do Corinthians em 2015 do que em 2013, ano em que deixou o time alvinegro. A justificativa para isso, segundo ele, é uma adaptação à nova realidade do mercado.
O Corinthians tem previsão de mais de R$ 40 milhões de déficit no próximo ano (para balanços, a temporada do clube vai até junho). O prejuízo é um fator comum a quase todas as projeções de contas de times nacionais (o São Paulo era uma exceção, mas fez uma suplementação de orçamento e já admite fechar a temporada com até R$ 60 milhões no vermelho).
Dívidas de grandes clubes brasileiros passam com folga a casa dos R$ 700 milhões. Em muitos casos, são quase oito vezes o faturamento anual. Além disso, estão mal equacionadas (têm perfil de curto prazo, com parcelas altas, e nem sempre são submetidas a baixas taxas de juros).
O futebol brasileiro ainda tem outras práticas nefastas, como empréstimos informais e receitas adiantadas. Clubes costumam recorrer a dirigentes ou conselheiros para pagar contas – o presidente Paulo Nobre já despejou mais de R$ 150 milhões no Palmeiras – ou pegar dinheiro referente a temporadas futuras. Isso compromete sobremaneira a capacidade de gestão no curto prazo.
Durante alguns anos, contudo, isso foi jogado a segundo plano. Empolgados com o incremento de receitas de mídia obtido após o término do Clube dos 13 e otimistas com o aumento dos patrocínios de camisa, clubes começaram a gastar mais. O faturamento do futebol nacional subiu muito, mas as despesas cresceram na mesma proporção.
A redução do investimento da Unimed no Fluminense jogou uma série de jogadores no mercado. Muitos deles começaram negociações buscando salários próximos do que o time carioca praticava. Todos ficaram frustrados.
Mais do que necessária, essa mudança de patamar do futebol brasileiro é benéfica. No entanto, é fundamental entender que haverá consequências. Os times locais, que durante alguns anos brigaram com equipes europeias ou com outros centros, terão de encarar nos próximos anos uma rotatividade maior.
Em dezembro, a revista “Forbes” publicou estudo baseado no mercado norte-americano. Por lá, 50% dos funcionários estão infelizes em seus empregos e 70% não estão sequer engajados com objetivos das empresas.
No futebol, comprometimento e entrega emocional são duas das principais cobranças feitas para os jogadores. Como um pequeno grupo ganha muito mais do que a média da população, a ótica distorcida é que eles “trabalham pouco” e “não podem reclamar”.
E por que as duas coisas têm relação com a redução do patamar salarial no futebol brasileiro? A lógica é que jogadores serão igualmente cobrados, mas receberão menos. Muitos deixarão de ter o nível de entrega exigido no futebol, e isso vai acelerar a debandada.
Nos últimos anos, o Brasil teve retornos como Ronaldo, Robinho, Luis Fabiano, Valdivia, Kaká, Juninho Pernambucano, Conca e Diego Tardelli, por exemplo. Com eles e novas estrelas, casos de Neymar, Barcos e D’Alessandro, a comunicação dos clubes teve em quem se apoiar.
Ainda é cedo para saber o tamanho da redução de investimento dos clubes brasileiros nos próximos anos. Até por isso, é impossível mensurar a debandada que o país vai vivenciar. No entanto, é fundamental que os clubes locais comecem a se preparar para um cenário de menos ídolo e mais rotatividade.