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Desde sempre, a Filosofia duvidou. Dúvida cética, ou dúvida metódica? Normalmente, uma dúvida metódica, porque é um meio para atingir um fim, a certeza. E assim a dúvida nasce, para a Filosofia, como o seu gesto instaurador. Se o Hegel tem razão, o pensamento e o ser desenvolvem-se dialeticamente, de acordo com um ritmo ternário: afirmação, negação e negação da negação. Ou seja, a negação percorre a História da Filosofia. Nela, tudo é anti-Ordem e anti-Poder. O futebol, ao invés, procura sofregamente o apoio do Poder e os seus mais altos dirigentes proclamam-se fautores da Ordem e da Medida. Por outro lado, também o Poder precisa do futebol, para legitimar-se junto do povo. De fato, o Desporto movimenta-se, sob a mesma bandeira que se ergue das mãos do Poder. E, se este é despótico e tem portanto a Verdade, o futebol transforma-se inúmeras vezes, na expressão corporal dessa verdade. O futebol concorre mesmo, no ardor competitivo, à interiorização, em muitos dos “agentes do futebol”, dos decretos imperiais do déspota. Não é por acaso que o futebol se ensina, como se de uma Atividade Física se tratasse. No entender de alguns pedagogos, um meio de educação física. Quanto mais físico ele for, mais acéfalo ele será e mais cegamente cumprirá a vontade do Poder. Alguns treinadores, sempre que se referem aos jogadores que trabalham sob as suas ordens, repetem, de forma exaustiva e massacrante: “os meus jogadores”. Como se, de fato, os jogadores fossem mesmo deles! Mas não é assim que pensa o déspota, quando exclama: “meu povo”?
E assim como o Poder diz “trabalhar para o povo”, para mascarar a sua função constitutiva, a repressão – também os treinos, os estágios, as competições se podem resumir ao exercício de uma soberania astuciosa, que controla os atletas como quem comanda singelos títeres. E desta forma o futebol é anamnese, ou seja, recorda sem cessar um Poder que lhe é anterior e exterior. O praticante não funda o futebol. Só o Poder (há quem lhe chame o sistema) o poderá fazer – o Poder com a sua libido dominandi, geradora de violência. As leis, ou melhor: a Ordem, regulam o espaço do senhor e do servo, dentro de uma competição insanável, que enlouquece a cidade e dizem ser causa de progresso, ou de uma normalidade medíocre. Tudo o que é medíocre é normal, para os grandes senhores desta sociedade do espetáculo. A Ordem, na História deste futebol, é a História da Ordem ou de uma Desordem onde o senhor e o servo terão de manter a sua condição… indefinidamente! É uma “luta de classes” onde tudo será o que já foi. De pouco vale, pois, uma linguagem moral porque este futebol programa-se para reproduzir e multiplicar a sociedade do senhor e do servo. Uns representam os senhores (o Real Madrid, o Barcelona, o Chelsea, o PSG, o Bayern de Munique); os outros são os servos. E produz assim uma certa imagem da essência da sociedade, onde os antagonismos aparecem como a “causa das causas” do progresso. Segundo Spinoza, o ser humano define-se pelo desejo. Neste futebol, a lógica do desejo do treinador e do praticante tem de articular-se com a lógica do Poder, ou com a axiomática do Capital, que é uma árvore de flores e frutos… artificiais! Nietzsche não se cansou de proclamar que “Deus morreu”. Deus, queria ele dizer: a vontade dos grandes senhores deste pequeno mundo! Enganou-se. O Deus de que Nietzsche nos fala continua vivo. Os concorrentes à presidência da FIFA assim o atestam.
Não escondo o alvoroço que o Luís Figo (um dos concorrentes à conquista da presidência da FIFA) provocou, quando se distanciou dos demais, ao afirmar: “Não sou de ficar parado. Decidi avançar com uma candidatura capaz de mudanças radicais”. O jornalista José Manuel Delgado refere que “algumas das mudanças radicais que Figo pretende têm a ver com a distribuição do dinheiro, matéria mais do que sensível, em Zurique: É preciso devolver às Federações nacionais (continuou Figo) o dinheiro que a FIFA gera e eu creio que pode chegar a cada uma delas, quatro ou cinco vezes mais do que recebem presentemente” (A Bola, 2015/9/20). A distribuição justa do dinheiro, mesmo como arqui-razão, no âmbito do desenvolvimento capitalista, produz desigualdades, como primeira inevitabilidade. Assim, qualquer mudança radical do futebol não pode considerar-se, sem referência ao todo sócio-econômico e ao contexto ideológico, de que faz parte. Sempre que se estuda objetivamente o futebol, encontramo-lo (também sempre) inelutavelmente, condicionado pela dialética da História, quero eu dizer: pelas características várias, que nele se vão desenvolvendo, à medida que o processo histórico avança e se aprofunda. Este ponto revela-se fundamental, para que possa compreender-se, com alguma nitidez, as diferenças que subsistem, entre as concepções retrógradas dos que julgam poder transformar (neste caso, o futebol), como se o “desporto-rei” fosse uma realidade “em si” e não essencialmente mediado por elementos inúmeros da complexidade social; e os que sabem que a subjetividade, por si só, revela-se perfeitamente incapaz de produzir um quadro concreto de um qualquer fenômeno social. De todos os candidatos à presidência da FIFA, Luís Figo, indiscutivelmente um dos grandes vultos da história do futebol, parece o mais capaz dos candidatos, para entregar-se à febre das transformações inadiáveis. Mas não pensando que a existência deste futebol é determinantemente futebolística. O futebol do Sr. Blatter e do príncipe Ali e do holandês Van Praag, antes de ser futebol, tem funções sociais, políticas, econômicas, ideológicas, etc. De fato, o futebol não se situa acima dos grandes interesses de que é produto.
É manifesto que uma concepção do “futebol pelo futebol”, como da “arte pela arte”, escamoteia a original e profunda implantação social do futebol. Afinal, ele não é independente ou autônomo dos outros elementos que, com ele, integram um determinado sistema, onde o Sr. Blatter é rei e senhor. Não ponho eticamente em causa o Sr. Blatter, afirmo tão-só que, para destroná-lo do poder que tem, interessa ter em conta que, no futebol, o futebol nunca foi determinante. O futebol é o resultado concreto de um sistema, com critérios econômicos e políticos que, a uma visão mais superficial, não se descortinam mas… que lá estão! O futebol atual desponta como um produto de uma determinada época onde o niilismo se afirma, intolerante e absorvente – o niilismo onde, nas palavras de Nietzsche, “os valores superiores se desvalorizam e perdem a sua principal finalidade”. O futebol não deverá pesquisar-se como um produto “ex nihilo” . Há um sistema donde ele nasce – sistema criado e mantido, por amor do futebol e por outras instâncias que se apresentam como indubitavelmente condicionantes. Ocorre-me, nesta altura, a carta de Hegel, datada de 1806, pasmado, boquiaberto, diante do Napoleão: “Vi o imperador, essa alma do mundo, sair da cidade, para ir em reconhecimento. É efetivamente uma sensação maravilhosa ver um tal indivíduo, sentado num cavalo e, ao mesmo tempo, abarcando e dominando o mundo”. Há outros “Napoleões” por aí, até no futebol. Por isso, a luta pela instauração de uma ordem nova não passa unicamente pelo futebol. Por isso ainda, um programa eleitoral não se define apenas pelos termos teóricos da mensagem, mas pela prática das pessoas que o apresentam É pela prática que se mostra a juventude e a perenidade da teoria.

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