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Há algum tempo o futebol brasileiro vive uma crise em todos as seus dimensões, são elas:  política, administrativa e técnica. Sem processos de gestão bem definidos e que tenham capacidade de integrar tais dimensões de acordo com as exigências atuais do mercado, vivemos de projetos e iniciativas isoladas que, como “conta-gotas”, tentam manter viva a esperança do país em retomar a hegemonia do futebol mundial.
Neste contexto de crise, tem sido cada vez mais comuns os comentários sobre a importância das categorias de base para os clubes. Os motivos são simples e seguem a premissa de qualquer prática organizacional: lucro e sustentabilidade. Lucro, pois em média, nos últimos anos, cerca de 15% das receitas dos principais clubes do país foram oriundas das transferências de jogadores (Somoggi, 2014), perdendo somente para as cotas de TV e patrocínio; e sustentabilidade, pois quem conseguir, ao longo do tempo, formar equipes competitivas com os “pratas da casa” adquirirá vantagem competitiva na seguinte combinação: equipe com menor custo, composta por atletas com maior potencial de venda e maior percentual de direitos econômicos do clube.
A construção desse processo, no entanto, passa, necessariamente, por uma prática ainda pouco considerada no futebol brasileiro, que é o investimento de longo prazo. Você já deve ter parado pra pensar que as equipes sub-11 espalhadas pelo país afora estão repletas de joias, brutas, prontas para serem lapidadas e, ao final de seu processo de formação, representarem bem o clube seja atuando na equipe principal, ou então, num clube do exterior. Vale considerarmos também os milhares de jovens garotos de 11, 12 e 13 anos, com talento, fora dos clubes de futebol, mas espalhados por diversas regiões do país, jogando futsal, futebol de areia, futebol society ou quaisquer jogo de bola com os pés, em várzeas ou competições amadoras, esperando, consciente ou inconscientemente, o olho clínico de um observador técnico.
Uma vez captados os talentos, uma tarefa que deve ser permanente, os clubes de futebol tem a missão de, a partir do investimento (e não despesa, como é considerado) estrutural, de tecnologia e de recursos humanos à serviço dos jogadores, potencializar o retorno financeiro, agregando valor a cada jogador ao longo de toda sua trajetória enquanto atleta do clube. Nos parágrafos seguintes serão debatidos alguns elementos que, sob o viés técnico, devem ser contemplados ao longo de um processo de formação. Esse processo, como a própria expressão sugere, visa moldar os futuros homens, jogadores ou não, de acordo com os valores (esportivos, morais, sociais e educacionais) da instituição.
Os atletas devem ser submetidos a um currículo que privilegie uma formação autônoma, criativa e que desperte elevados níveis de inteligência coletiva de jogo. Vale mencionar que a inteligência coletiva não abre mão ou coloca em segundo plano a individualidade; pelo contrário, pois, esta última, quando potencializada com significado coletivo, confere qualidades importantes ao sistema.
Existe um vasto repertório de conteúdos de treinamento que devem ser oferecidos aos atletas. Para exemplificar, podemos mencionar desde aspectos micro, como a capacidade técnica-decisória nas ações de domínio e passe, ou então, as ações de giro de pescoço (executadas com maestria por Toni Kroos, Xavi, Lampard, Iniesta, Thiago Alcântara)  para interpretar melhor ocupação de espaço e ação; até aspectos macro, como a capacidade de ser versátil e adaptável à diferentes sistemas e posições, bem como o domínio de ações coletivas complexas, como pressing, temporizações ou mobilidades com trocas de posição.
Para atingir a excelência e, mais do que isso, sustentá-la ao longo dos anos, transformando joias brutas (ou talentos) em pedras preciosas lapidadas (ou grandes jogadores de futebol), é indispensável uma equipe técnica de campo especializada. Tal equipe deve ser dotada das mais variadas competências, como: conhecimento científico, experiência prática como atleta, didática, liderança, conhecimento técnico específico da sua área de atuação, conhecimento técnico geral das outras áreas, conhecimento tecnológico, capacidade de inovação, de trabalho em equipe e de atualização permanente. Quanto mais competências cada membro da equipe possuir, mais qualificado serão os treinamentos dos jovens futebolistas.
Concomitante à formação técnica, é missão dos clubes que trabalham com categorias de base oferecerem uma formação integral, que é também (e não unicamente) esportiva. Sendo assim, não basta somente as comissões técnicas de campo serem altamente capacitadas mas também toda a equipe de trabalho interdisciplinar, composta por fisioterapeuta, médico, psicólogo, assistente social, nutricionista, fisiologista e pedagoga. Toda esta equipe deve estar em constante comunicação e interação com as comissões técnicas e cada atleta do clube. Do sub-11 ao sub-20, cada jogador pode ser devidamente monitorado através de indicadores de desempenho de cada departamento. Exemplificando, é preciso ser identificado o nível de competitividade de cada um dos jogadores, o percentual de gordura, os desvios posturais, bem como as condições sociais e familiares. Estas avaliações devem compor um Radar Individual do Atleta. A partir dele, fica evidente quais são os planos de ação necessários para cada um dos jogadores.
Vale mencionar também as condições estruturais de moradia, treinamento e alimentação. Moradias confortáveis (mesmo que simples), qualidade dos campos e dos materiais de trabalho e boas refeições compõem, somadas à qualidade do sono dos atletas, o treinamento invisível. Com grandes efeitos sociais e esportivos no longo prazo.
Foi discutido que a formação exclusivamente técnica já não é mais suficiente para formar jogadores que atendam às exigências atuais do mercado. Discutimos também que a composição de uma equipe de apoio interdisciplinar atuante pode maximizar o desenvolvimento dos jogadores, que devem receber condições estruturais, de treinamento e de alimentação ótimas. Podemos, então, afirmar que este cenário idealizado basta para o sucesso de um trabalho de formação?
A resposta é não!
Se voltarmos ao início do texto, sobre as três dimensões do futebol afirmaremos que todas as práticas supramencionadas dizem respeito à dimensão técnica da modalidade. Qualquer projeto da área técnica que não esteja devidamente vinculado às dimensões política e administrativa já inicia com os dias contados.
Por exemplo, um projeto administrativo de futebol que entende o poder estratégico das categorias de base sabe quando deve evitar uma contratação de risco na equipe principal para direcionar os recursos ao departamento de formação. Sabe, também, o momento de fazer a transição de uma jovem promessa para a equipe principal. Um projeto político de um clube de futebol, voltado aos interesses da instituição, tem diretrizes e processos bem definidos e executados mesmo que se altere o mandato.
Projetos políticos e administrativos desvinculados da área técnica tornam o que se passa nas categorias de base praticamente imperceptível. Um “crime”, contra o próprio patrimônio, se considerarmos o investimento realizado.
E agora você deve estar se perguntando se existe algum clube no Brasil que consegue desenvolver, da base ao profissional, um projeto devidamente alinhado nas três dimensões. Voltamos ao início do texto e o que podemos afirmar é que existem tentativas e iniciativas isoladas. Basta acompanhar os noticiários esportivos ou fazer um breve resgaste da memória e você se lembrará de inúmeras incoerências de ordem técnica, política e/ou administrativa que retratam a incapacidade dos clubes em agir planejada e sistemicamente.
Para cada clube que investe em categorias de base, seja ele grande, médio ou pequeno, existe um distanciamento entre o contexto ideal do futebol de formação e o contexto atual. Para alguns clubes, ajustes em alguns processos podem aproximar os dois cenários. Para outros, no entanto, a distância é um abismo e somente com reformas significativas, que partam do nível hierárquico mais alto do clube, encontrarão as soluções. A boa notícia é que não se chega a um cenário ideal sem passar por um cenário atual, repleto de desafios, dificuldades e limitações.
O futebol do amanhã está sendo praticado hoje, pelos nossos jovens futebolistas. Pela nossa decadência nos últimos anos, passou da hora de investirmos de verdade no futebol e nas pessoas em formação. Se não quisermos, temos que assumir que, de fato, chegaremos ao fundo do poço. Seria muito triste ao futebol brasileiro adormecido como pentacampeão mundial.
Me escreva para contar sua opinião!
Obrigado por me acompanhar durante 2015. Feliz Natal e próspero 2016! Espero que continuemos a nos encontrar por aqui…
 

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