A coluna de hoje é sim em memória as vítimas do acidente aéreo com o voo LaMia CP-2933, que entre outros passageiros, transportava a equipe de futebol da Chapecoense, mas também em memória de tantas vítimas diárias de um dos fatores que, segundo indicam as investigações até o momento, pode ter sido um dos principais causadores do acidente, a ganância, o mal uso dela.
As minhas primeiras recordações com o futebol vêm, de quando ainda bem criança, talvez por volta de meus 5 ou 6 anos, de situações com meus pais. Lembro de minha mãe, D. Sonia, ficar caçoando comigo, por torcer para um time diferente do dela, e de meu pai, “seu” Bene, um aficionado pelo jogo, frequentador assíduo dos campos varzeanos, que aos finais de semana me colocava em seus ombros e me conduzia até aqueles épicos embates dos campeonatos amadores de Paulínia e região. Ótimas lembranças que possuo com os dois juntos a esse esporte que tanto amo.
Nesta fase, o anseio era a bola, o drible, o gol! Não importava se era na rua, na quadra de cimento, campinho de terra, escolinha de futebol ou quintal de casa, os adversários e companheiros poderiam ser reais ou imaginários, o importante era jogar, viver o jogo e todas as emoções que ele proporciona!
Todo aquele que é apaixonado pelo futebol não deixa de sentir isso, esteja ele jogando no mais alto nível ou nos inúmeros campos de várzea espalhados por cada canto do país. Não importa o credo, raça, sexo ou classe social, culturalmente, o futebol consegue atingir a todos (e isso não é menosprezo a nenhum outro esporte, mas no Brasil, a cultura mais forte é a do futebol).
Após o trágico acidente, a comoção foi geral, uma sensibilidade coletiva se instaurou no país, nenhuma vida é mais importante que a outra e, é claro que outras milhares de pessoas perdem suas vidas a cada dia, mas quando um acidente dessa proporção acontece os sentimentos ficam mais aflorados, e é quase que inevitável não parar e refletir um pouco sobre a vida. Um dia após o acidente, um companheiro de trabalho, que cursou a faculdade junto com um dos membros da comissão técnica da Chapecoense, me dizia que no fim de semana anterior estava se queixando sobre sua condição em detrimento da deste profissional, e que dado o ocorrido, percebeu o quão ingrato foi por sua queixa.
Merecidamente, tem se exaltado os grandes valores que o time de Chapecó passava e que estão sendo amplamente divulgados. Valores como a união, a garra, o companheirismo, a alegria, o amor pelo jogo, a organização do clube, a determinação, a fé, dentre tantos outros bons valores. Realmente, um olhar sobre a trajetória da Chapecoense até a final da Copa Sul-Americana, pode nos fazer refletir sobre todos esses valores.
Esses valores afloraram em tantas manifestações de apoio ao clube e aos familiares, times e jogadores do mundo todo prestaram homenagens, os colombianos lotaram o Estádio Atanásio Girardot e as ruas de Medelin em solidariedade às vítimas e familiares. No Brasil, torcidas rivais se uniram e juntas entoaram o grito de “é campeão”. Cada um deixou um pouco do seu egoísmo de lado e colocou a compaixão em primeiro lugar.
Este momento parece ter feito as pessoas recordarem um pouco mais do outro, da dor do outro, da necessidade de amparo do outro. Recordaram do quão belo e inspirador é o esporte, do quanto o futebol pode diminuir diferenças, de como esse esporte coletivo nos relembra de que somos seres coletivos: assim como no jogo, um depende do outro, do auxílio do outro. Como é bonito o jogo, quando todos cooperam em prol do bem comum. A Chapecoense, através de seu futebol, nos lembrou de que estamos todos no mesmo time.
Não, não é só futebol, pode ser muito mais do que futebol, esta tragédia mostrou isso.
Acredito que a maior homenagem que possamos prestar às vítimas do acidente é a de não deixar que seja em vão, não deixar que este momento de união simplesmente passe, que seja realmente só um breve momento. O futebol tem esse poder, de transmitir valores, de ser muito mais que um negócio lucrativo, de mostrar que antes de jogadores, são seres humanos.
Quantos não são os jovens, adolescentes e crianças espalhados pelas escolinhas, categorias de base, escolas, projetos sociais e por iniciativa delas mesmas, que diariamente jogam futebol? E o fazem por àquelas emoções e tantas outras. Por que, visto toda comoção do caso da Chapecoense, não utilizar o futebol para diariamente se promover tantos valores? Por que minimizar o jogo à vitória, derrota ou empate, quando este é tão mais rico e possui grande poder de ensinar? Por que continuar enxergando somente o atleta, o profissional, o torcedor rival, e não enxergar que antes de tudo isso, existe uma pessoa que merece ser respeitada? A Federação Paulista de Futebol tem incitado os clubes a direcionar um olhar diferente a seus atletas na base, vejamos um pouco do que nos mostra neste vídeo:
O que nos impede?
“O motor principal e fundamental no homem, bem como nos animais, é o egoísmo, ou seja, o impulso à existência e ao bem-estar. […] Por natureza, o egoísmo é ilimitado: o homem quer de todo modo conservar sua existência, quer ficar totalmente livre das dores que também incluem a falta e a privação, quer a maior quantidade possível de bem-estar e todo prazer de que for capaz, e chega até mesmo a tentar desenvolver em si mesmo, quando possível, novas capacidades de deleite. Tudo o que se opõe ao ímpeto do seu egoísmo provoca o seu mau humor, a sua ira e o seu ódio: ele tentará aniquilá-lo como a um inimigo. Quer possivelmente desfrutar de tudo e possuir tudo; mas, como isso é impossível, quer, pelo menos, dominar tudo: ‘Tudo para mim e nada para os outros’ é o seu lema. O egoísmo é gigantesco: ele rege o mundo. Arthur Schopenhauer – A arte de insultar: organização e ensaio de Franco Volpi.
Segundo Schopenhauer, possuímos a tendência egoísta de só pensar em nós mesmos. Espero que essa tragédia nos impulsione a irmos contra esta tendência, que esse momento de reflexão não passe, que sejamos menos egoístas, menos gananciosos, para que passemos a respeitar e amar mais o nosso próximo.
Sou grato aos meus pais por me ensinarem isso e, agora, à Chapecoense, por me lembrar disso.