O futebol brasileiro tem capacidade singular, possivelmente única, de se equilibrar entre o imediatismo absoluto e a resiliência ludista. Trata-se de um ambiente em que às vezes é impossível dissociar euforia e tragédia, mas que sustenta uma estrutura morosa, destinada a manter o status quo. O mesmo esporte que cria heróis e vilões em menos de 90 minutos sofre para propor qualquer modelo alternativo a questões aflitivas há anos, como a falta de segurança nos estádios.
O avião que levava a delegação da Chapecoense para a decisão da Copa Sul-Americana caiu há menos de três meses. Desde então, acabaram as homenagens e terminou a paciência da torcida, que no último fim de semana já começou a cobrar o clube. Aceitamos, basicamente. E a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol), diretamente responsável pelas atrocidades cometidas em viagens pelo continente, fez apenas uma mudança significativa: criou um dispositivo no regulamento da Copa Libertadores que a exime de culpa em casos similares.
Em menor escala, o São Paulo de Rogério Ceni, decepção na rodada inaugural do Campeonato Paulista, virou o jogo em sete dias: Contratou Jucilei e Lucas Pratto, lotou o Morumbi e goleou a Ponte Preta. O time não é tão ruim quanto sugere a primeira imagem ou tão bom quanto nos diz a segunda.
Há outras certezas em menos de dois meses. O Corinthians errou na montagem do elenco, o Atlético-MG melhorou, o Cruzeiro tem um meio-campo excelente, o Flamengo evoluiu, o Vasco retrocedeu, o Palmeiras vai sentir saudade do técnico Cuca, o Grêmio vai sentir saudade do meia Douglas, o Internacional vai sentir saudade do tempo em que contava com um elenco mais forte…
Seguimos buscando rótulos. Seguimos ignorando processos. Seguimos ignorando que o futebol é um jogo disputado por pessoas e que pessoas têm mais camadas do que os resultados de dois meses podem sugerir.
Em contrapartida, não há imediatismo em questões verdadeiramente relevantes. No segundo mês de 2017, oito torcedores foram hospitalizados e um morreu após confronto de torcedores antes do clássico Botafogo x Flamengo, válido pelo Estadual do Rio de Janeiro.
A violência não é um problema apenas no futebol – ao contrário, como costuma dizer o sociólogo Mauricio Murad, esse é apenas um microcosmo que repercute questões sociais. No entanto, o que chama atenção nesse caso é o quanto convivemos bem com a inércia. Não há qualquer projeto ou iniciativa para mudar drasticamente o cenário. Não há qualquer cobrança por isso.
É extremamente difícil discutir a questão da violência envolvendo torcedores de futebol. No Brasil, por exemplo, há anos o problema é maior fora do que dentro dos estádios. As arquibancadas são mais seguras do que imediações e meios de transporte, por exemplo. Nem os horários dos conflitos tem relação necessária com a marcação das partidas.
Até pelo tamanho do problema, contudo, é inaceitável a falta de coordenação. Passou da hora de o Brasil ter um plano complexo, que envolva o poder público, as entidades esportivas e a iniciativa privada. Passou da hora de pensarmos em ações realistas, focadas, que tenham efeito prático na diminuição do problema.
Passou da hora de sermos tão imediatistas quanto as análises sobre o desempenho dos times. Se cobrássemos autoridades como fazemos com treinadores, a perspectiva poderia ser diferente há tempos.
Essa reação é um exercício de comunicação. Da definição das estratégias à prestação de contas de cada etapa, precisamos urgentemente de um plano que seja convergente e que tenha rápida aplicação. O futuro não imediato do nosso futebol depende disso.