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Quais monumentos públicos, prédios, estruturas urbanas que homenageiam uma mulher?

Possivelmente você deve ter se lembrado de um prédio residencial, da sede de algum hospital… mas para por ai! São raras as mulheres que dão nome a viadutos, por exemplo. Trânsito, símbolo da masculinidade contemporânea. E de um prédio administrativo de um time de futebol? Nem pensar!

Mas é preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre. Recentemente a torcida anticapitalista Resistência Azul Popular lançou uma chamada no Facebook para um ato: reivindicariam a mudança de nome da Sede Administrativa do Cruzeiro Esporte Clube para Dona Salomé, torcedora símbolo do time, velha conhecida dos frequentadores assíduos do Mineirão.

A proposta pode parecer singela, mas, se vamos ser inteiramente honestos, para quem vive o futebol não é surpreendente que no meio boleiro haja resistência ou mesmo aversão ao nome, pura e simplesmente por ser substantivo feminino, essa dose mais forte e lenta de uma gente que ri quando deve chorar e não vive, apenas aguenta.

Logo surgiram as previsíveis reações na rede e, de forma geral, cruzeirenses se perguntavam o que os atleticanos diriam da torcida como um todo. Destaque-se: torcida esta que já carrega a pecha de “maria” em Minas Gerais, ofensa grave, que insinua atributos femininos ou afeminados ao lado azul do estado. Ao menos é este o conceito que se pode inferir da resposta cruzeirense, “franga” ou “gaylo”.

O embate pela defesa da masculinidade dos clubes seria, lamentavelmente, mais do mesmo, mas o episódio tem algo mais assustador, mais violento.

Explicamos:

O edifício no qual sugeriu-se a homenagem a Salomé, ostenta, atualmente, em letras garrafais de aço escovado, o nome Sede Administrativa Zezé Perrella. Sim, o senador.

Existe a possibilidade de que o ex-presidente e conselheiro do clube esteja envolvido em negócios escusos de grandeza internacional, a imagem do clube é vinculada às denúncias ao senador em horário nobre para todo o país ver, e o nome de Zezé continua não incomodando.

Seu retorno não é desejável, as notícias podem prejudicar a imagem do clube, nem declarações sobre o Cruzeiro se quer da boca de Zezé: por quê então o seu nome é uma opção tão natural e pacífica para a Sede, enquanto que Salomé causa alvoroço na opinião pública? Mas é preciso ter força. O que há de tão depreciativo na homenagem a ponto de que alguns prefiram ser associados a meia tonelada de pasta base de cocaína, a serem associados à torcedora?

A resposta, se é que é possível apontar para alguma, passa também pela compreensão do símbolo da mulher a quem se pretendeu homenagear. Dos atributos possivelmente relacionados a Zezé, vamos aos de Salomé.

Maria Salomé da Silva,  83 anos, traz no corpo a marca, Maria, Maria, mistura a dor e a alegria de quem deixou a labuta na lavoura em Bom Despacho para morar na capital mineira e se apaixonou pelo Cruzeiro. Ela gosta de contar que desde a inauguração do Mineirão, em 1965, esteve ausente de apenas 18 partidas. Figurinha batida no estádio, dona Salomé também se destaca pelo otimismo e fé inabaláveis. Sua autoridade é reconhecida e respeitada pelas organizadas e avulsos.

Aliás, falando em organizada, Dona Salomé circula no meio, viaja com as torcidas e acompanha aos jogos fora com frequência. É preciso ter graça: há relatos folclóricos de suas viagens e suas raposas de pelúcia, todas batizadas com nomes de jogadores. Somadas à cabeleira da torcedora, o look é sempre glamouroso e requisitado para fotos.

Mas, à parte de seu estrelato-torcedor, Salomé também é apenas uma de nós. O amor de Salomé pelo clube é o amor desinteressado da grande massa, na expressão de uma mulher que frequenta sozinha o estádio há mais de 50 anos.

Polêmicas recentes à parte, a torcida cruzeirense é, no fim das contas, muito mais Salomé do que Zezé. As notícias correntes só deveriam reforçar essa identidade. Resta saber se a reação exagerada por parte dos internautas se dá pelo menosprezo do feminino enquanto protagonista no futebol; ou, ainda, se no imaginário da torcida sedes administrativas não são lugar para o torcedor comum.

É difícil argumentar o contrário quando, na prática, não são mesmo. São poucas as mulheres no administrativo do clube, menos ainda atletas (apenas na modalidade de atletismo). Mas enquanto as mudanças não ocorrem nas instituições, não é demais lembrar que o fundamento do clube é a torcida, essa que possui a estranha mania de ter fé na vida. Essa torcida tem raça e amor e é composta por muitas mulheres e gays, como todas as outras torcidas.

Nesse sentido, ter vergonha de ser Maria, ainda mais em tempos de Zezé, é ter vergonha de si mesmo! Se essa correlação é tão difícil de se fazer, sinal do distanciamento do clube para com a torcedora, e do torcedor consigo mesmo.

Já há muito passou da hora de se poder ser maria com orgulho, dentro e fora do estádio!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!

Ah! Hei! Ah! Hei! Ah! Hei!!

Lá Lá Lá Lerererê Lerererê

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