Olá, caro leitor.
Alguém de vocês já fez, ou faz, aulas para aprender a tocar algum instrumento? Eu já fiz! Por um curto período de tempo (pretendo retomar um dia, não necessariamente neste instrumento) fiz aulas de violão. Em função de uma série de fatores não dei continuidade, na época ainda não trabalhava com o esporte, porém, algumas posturas didáticas do meu professor me fizeram refletir bastante e influenciam na minha ação como professor/treinador hoje.
Meu antigo professor me apresentou as bases de qualquer canção, as notas musicais, utilizou algumas músicas prontas para que eu pudesse começar a dominar as notas tanto em relação ao conhecimento declarativo (ouvir e reconhecer), como também em relação ao conhecimento processual (tocar). E sempre me dizia que era importante que dominasse as notas e pudesse reproduzi-las, a fim de que, na sequência, começasse a usar minha criatividade e predileções para compor minhas próprias músicas. Ele não estava tão preocupado se eu fosse tocar rock, música clássica ou sertaneja, simplesmente queria que eu fosse capaz de tocar e produzir música por mim mesmo.
Trazendo esta situação para o jogo de futebol, é notória (e imprescindível) a grande importância que tem se dado à tomada de decisão dos jogadores em uma partida (nas colunas “Tomar decisões, algo simples e complexo” e “Como você está formando ‘Jogadores Inteligentes’?” trago algumas reflexões sobre o tema). As principais e mais recentes pesquisas apontam que um jogador tem de tomar cerca de 2 mil decisões em um jogo de 90 minutos, enquanto que uma pessoa num dia “normal” toma cerca de 8 mil decisões. Podemos dizer que a densidade de tomada de decisão em um jogo é muito alta, portanto, é altamente plausível que se dê muita atenção à qualidade destas decisões.
Agora, o que são boas decisões?
Poxa, Danilo! Boas decisões são aquelas que aproximam a equipe de cumprir a lógica do jogo, marcar mais gols do que o adversário!
Ok, concordo. Porém, são muitas e distintas as decisões que podem conduzir a isso!
Um jogador pode decidir pegar a bola, sair driblando os adversários e fazer um gol. Um defensor pode decidir dar um “chutão” para frente e a equipe conseguir marcar um gol. Ou a equipe decidir iniciar uma sequência de movimentações e trocas de passe que culminem em colocar a bola dentro do gol adversário. E aí, qual destas decisões é a melhor?
Algumas vezes já ouvi as expressões “jogador de joystick” e “treinador de Playstation”, fazendo alusão a jogadores que só agem segundo os comandos do treinador e a treinadores que buscam ter o controle total sobre todas as ações dos jogadores. Será que a todo momento é necessário que o treinador fique dizendo o que deve ser feito e que os jogadores só ajam de acordo com aquilo que lhes é dito?
Nos últimos anos tem se discutido muito a respeito das decisões que os jogadores tomam no jogo, em mecanismos para se qualificar e potencializar estas decisões, em desenvolver a autonomia dos jogadores. Mas, como direção e comissão técnica, estamos realmente preparados para isso? Ou a cada decisão diferente daquilo que consideramos certo, mesmo que a mesma tenha sido eficaz para a situação, sabemos lidar com isso? Ou nossa resposta a essa decisão vai somente de acordo ao resultado dela? Por exemplo: um jogador tem a opção de dar um passe vertical curto para outro logo a sua frente, mas arrisca e tenta fazer uma inversão através de um passe longo. Duas decisões aceitáveis e com seu grau de produtividade. Se o jogador acerta a inversão, lhe damos os parabéns e se erra lhe cobramos por não ter feito o passe curto? Estamos realmente dando o poder para os jogadores tomarem as próprias decisões ou através dos treinos e abordagens só lhe damos a opção de tomar determinadas decisões que desejamos.
É sabido que equipes como o Barcelona possuem uma linha de pensamento de jogo bem definida, assim como uma metodologia de treinamento que induz, desde muito cedo nas categorias menores, seus jogadores a tomarem decisões de acordo com a filosofia que o clube defende. E longe aqui de julgar se isso é bom ou ruim, mas sim, pontuar que no Barcelona isso ocorre de forma estruturada, planejada e consolidada há muito tempo e que, ainda assim, não limita totalmente as decisões de seus jogadores. Agora, quantas equipes no Brasil tem algo similar a isso ou estão construindo algo nesse sentido? E de acordo com a nossa cultura e história, nossos melhores jogadores foram e são aqueles mais criativos e autônomos ou aqueles que só reproduziam o que os treinadores lhe pediam/pedem?
Meu antigo professor de música, queria me preparar para conhecer mais de música, aprender a tocar e, assim, de acordo com a minha vivência musical, poder tocar aquilo que me agrada, que me satisfaz, não importando se o estilo de música tocada, necessariamente fosse aquele que mais lhe agradava. Queria me preparar para tocar bem música, seja ela qual for. Será que nós estamos preparando nossos jogadores para tomar somente as decisões que nós queremos ou os estamos conduzindo para serem capazes de reconhecer e avaliar o cenário, para então tomarem as próprias decisões, pautadas no contexto em que estão inseridos, na experiência que possuem e tendo autonomia naquilo que fazem?
Estamos preparados e somos capazes de lidar com as decisões dos nossos jogadores, sobretudo com aquelas que divergem daquilo que esperamos? A orquestra toca segundo a batuta do seu regente, porém, ainda nela, existem espaços para as improvisações dos músicos.
Como lidamos com as decisões dos nossos jogadores que são diferentes do que desejávamos e/ou não tem a eficácia que deveriam?
Até a próxima!