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No futebol, como treinadores, lidamos diariamente com muitas questões, mas três macro-dimensões nos movimentam: o sonho, o êxito e o fracasso. Não podemos negar, por que lidamos sistematicamente com essa tríade.

Das três, o fracasso, é o que vem mais a tona, advindo dos resultados negativos dos jogos e a impossibilidade de ganhar sempre. Ele é o nosso ponto mais fraco e nosso lado mais vulnerável como treinadores, pois é visível e atingido por todos e de todos os ângulos possíveis. Construir um ponto de equilíbrio para o fracasso não é fácil, especialmente por que a grande maioria das pessoas que estão do nosso lado são resultadistas e não entendem de processos.

Essa linha tênue entre o êxito e o fracasso é uma complexa consequência de fatores e de casualidades que por vezes transcende treinos, planejamentos, talentos e dinheiro. Mas fomos educados para adorar e elogiar o ganhador e criticar o perdedor sem ao menos refletir os mínimos pormenores. Essa falta de profundidade para analisar uma vitória ou uma derrota é que deteriora o futebol. E inicia nos meios de comunicação, até chegar à arquibanca. Esse fluxo tem um DNA tendencioso, promocional e com pouco conteúdo.

Claro, sem dramatização, o futebol -especialmente profissional-, é feito para ganhar e devemos obter a maior quantidade de vitórias para ficarmos empregados. Mas o que me preocupa, é que só ao falarmos do ganhar, do ganhar a qualquer preço, discutimos pouco as interfaces do futebol, a dimensão humana que está em volta e os processos que fazem parte da evolução e aprendizagem de uma comissão técnica, jogadores, gestores e um clube, desconsideramos o como ganhar. Em cima disso, e fazendo algumas leituras semanais, colhi escopos reflexivos de algumas pessoas que problematizam essa tese:

“O futebol está tão adrenalizado e frenético pelo resultado que as pessoas que vão assistir às partidas não vão mais pelo futebol em si, como esporte, mas exclusivamente para ver sua equipe ganhar”. (Jorge Luis Borges)

“O futebol é uma profissão ingrata. Estressa-te mais do que poderia te estressar outro trabalho com semelhante exposição. Somos uma sociedade muito voltada para o êxito e agressiva. Se você ganha é bom, se perde é burro. Não há uma coerência de opinião. Então primeiro tem que ganhar para demonstrar que é bom; mas cuidado, se perder você passa de bom para estar embaixo novamente. Isso é tendencioso. Os que vão bem, o trabalho é reconhecido mas parece que poucos gostam que os treinadores vão bem. Então, esperam para quando você perde para te pegar. E os que vão mal, diretamente o pisam”.  (Marcelo Gallardo)

“Ganhar? E que sentido tem? Por que vai mudar a opinião das pessoas se ganho? Ganha ou perde eu seguirei sendo a mesma pessoa. É por isso que sempre necessito ganhar? Para calar a boca das pessoas? Para satisfazer um punhado de periodista esportivos que não me conhecem? São esses os termos da negociação?” (Andre Agassi)

O esporte está tomado na sociedade quase que por um único paradigma. Há publicidades se é um ganhador e há filmes de pais chamando os filhos e campeões. Por que campeão? Se meu filho não ganhou nada. Meu filho é meu filho não por que é campeão. Tem sempre esse modelo que há que ganhar, em tudo há que ganhar. Se o mais importante é ganhar como seja, eu creio que isso é terrível. Eu vivo disso de ganhar, vou a campo para ganhar, se não entra outra pessoa no meu lugar, mas isso não significa que o ganhar tenha que ser um paradigma, um modelo para tudo. Isso deve ter um filtro, é fundamental que pensamos no outro, façamos a coisa correta, respeitamos as regras fundamentais. Isso é uma mensagem que as pessoas do esporte devem ensinar aos jovens, ainda mais por que o esporte não é lindo só quando se ganha, como dizem muitos. Muitos dizem que o importante é ganhar. Isso é uma estupidez.  Olha numa olimpíada, há muitos atletas que sabem que não vão ganhar, mas se preparam como se fossem ganhar durante anos e no meio da olimpíada, por quê? Por que combatem contra si mesmo. Eu quero baixar um segundo, ou um décimo de segundo, lançar um metro a mais, acertar um passe, isso é parte do ganhar. Ganhar não é somente sair campeão, isso é parte do ganhar, é superar-se, melhorar-se. Eu creio que o esporte ensina isso aos jovens em troca de mandarmos a mensagem somente de quem ganhou a medalha de ouro e os demais são perdedores. Nós passamos uma mensagem que o esporte não se ensina. Eu perdi muitas vezes, mas segui o caminho. (Júlio Velasco

Bem, poderíamos terminar o texto por aqui. Mas não tem como negligenciar a diferença de entendimento que o futebol para alguns é um jogo, um esporte, e para outros é feito apenas para ganhar. Fica evidente dois paradigmas filosóficos totalmente irreconciliáveis, preponderando para o lado mais visível.

No fim, se não ganharmos, seja como for, contra quem for, somos apenas treinadores que mais cedo ou mais tarde seremos descartados. Somos e sempre seremos avaliados pelas vitórias e não pela forma que a conseguimos ou pelos jogadores que evoluímos. Como Jorge Valdano fala: “hoje praticamos um futebol que se torna mais fácil à ação de jogadores medianos e os comentários de periodista acomodados. E, como Rodrigo Zacheo diz: “há muitas formas de ganhar e poucas formas de gostar”. Esse futebol pelo resultado mais que nos desempregar como treinadores, incrível, até mesmo nas categorias de base, está nos fazendo perder a essência do selo de qualidade dos talentos de diversos calibres que sempre tivemos por aqui. Hoje o jogador já nasce com o selo do resultado carimbado na testa.

Abraços a todos e até a próxima quarta!

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