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Relembrando a reflexão inicial, quando o nosso objetivo se volta a avaliar os treinadores de futebol no Brasil, devemos sempre expandir o raciocínio e os cálculos estatísticos para examinar o contexto vigente no país. Devido ao fato do treinador representar apenas uma peça que integra um sistema dinâmico, qualquer comparação simplista de resultados não apenas desconfigura a realidade de um esporte coletivo de alto rendimento, como também prejudica o avanço da modalidade (e dos profissionais atuantes) no território nacional. Por isso, para uma tomada de decisão racional sobre o efeito dos treinadores, é fundamental mensurar critérios objetivos que possam traduzir o contexto em torno da equipe, dos seus adversários e da competição sob análise.

Dando continuidade ao estudo com as respostas da segunda pergunta (Como as trocas de comando técnico impactam o desempenho esportivo no Brasil?) por meio de uma avaliação econométrica compreensiva, nossos modelos de análise de regressão foram capazes de classificar até 67,9% dos casos corretamente. E seguindo o mesmo raciocínio da PARTE 2, reunimos abaixo os principais resultados estatísticos em um agrupamento de 3 núcleos:

A) Ritual do bode expiatório (mudanças subjetivas, sem efeitos objetivos)

B) Calendário

C) Características do treinador

Conforme adiantado na PARTE 2, devido à complexidade dos cálculos na econometria, bem como os parâmetros e testes necessários na metodologia científica, a leitura dos dados no artigo acadêmico pode parecer confusa sem um embasamento teórico. Portanto, para facilitar a compreensão na PARTE 3, ilustramos os resultados estatísticos com percentuais que traduzem um aumento ou diminuição na probabilidade de se alcançar uma vitória (3 pontos) ou ao menos um empate (1 ponto) durante o Brasileirão.

A) Ritual do bode expiatório (mudanças subjetivas, sem efeitos objetivos)

Em termos objetivos, chegamos aqui ao principal resultado do nosso estudo: 7 jogos (ou sétimo jogo, precisamente). Este é o volume de partidas oficiais (ou tempo necessário) que o treinador precisa percorrer até conseguir entregar um índice de contribuição direta (porém parcial) à melhoria de rendimento esportivo de um clube no Brasileirão.

De acordo com a principal evidência estatística extraída da nossa avaliação econométrica que investigou absolutamente todos os 264 treinadores, 594 mudanças de comando (sendo 463 trocas com treinadores efetivos e 131 trocas com interinos), 41 clubes participantes em 6506 partidas oficiais de Brasileirão durante 16 temporadas (2003 a 2018), chegamos, enfim, a comprovação científica de que o treinador de futebol no Brasil necessita permanecer no comando técnico até o seu sétimo jogo antes que ele possa aumentar (de forma parcial) a probabilidade de uma vitória (em 30,8%, precisamente) ou empate (em 40,7%) após assumir a liderança de sua nova equipe.

Ainda assim, tal como identificado nos primeiros seis jogos após assumir o cargo em seu novo clube, o efeito de contribuição do novo treinador não mostra resultados estatisticamente significativos entre o oitavo e o décimo jogo, traduzindo efeitos nulos para a realidade prática (ou seja, sem sinais positivos ou negativos para ajudar a valorizar ou renegar o treinador substituto, pois apenas o sétimo jogo ilustrou resultados de influência parcial). E apesar do primeiro jogo do treinador no novo cargo mostrar um potencial para garantir ao menos um empate (subindo a probabilidade de coleta de 1 ponto em 27,2%), a evidência científica constatada pelo nosso estudo deixa claro que as mudanças de treinadores de futebol durante o Brasileirão não carregam efeitos práticos para a melhoria de rendimento esportivo de seus respectivos clubes. Em outras palavras, um novo treinador sozinho não muda a trajetória na realidade.

É importante ressaltar que, muito embora seja possível identificar casos de novos treinadores que (hipoteticamente) coletaram pontos em todos os seis primeiros jogos, ou até mesmo ao longo das dez primeiras partidas em um novo cargo nesse mesmo período, tais situações respondem por circunstâncias específicas e individuais, reduzindo a avaliação a [1] uma amostra não representativa para a classe de treinadores atuante no Brasileirão e a [2] comparações superficiais com estatísticas básicas, que minimizam a dinâmica do futebol brasileiro.

Segundo os resultados da nossa investigação econométrica, o treinador de futebol no Brasil é alvo do ritual do bode expiatório, uma teoria estabelecida na década de 1960 pela literatura de administração e economia do esporte após a sua primeira série de avaliações criteriosas utilizando o beisebol americano como objeto de análise. Logo, a evidência da nossa investigação reforça estudos acadêmicos que identificaram o mesmo efeito após as trocas de treinadores realizadas em ligas nacionais de futebol na Argentina, Áustria, Bélgica, Colômbia, Espanha, Holanda, Inglaterra, Itália e Portugal.

B) Calendário

Ao dissecar os fatores externos que efetivamente influenciam o rendimento esportivo ao longo do campeonato brasileiro (leia-se a qualquer momento do Brasileirão, independente do treinador que esteja na função), nossos dados mostraram que as variáveis relacionadas ao calendário competitivo são condicionantes a interferir na coleta de pontos de um clube.

Inicialmente, o aspecto mais importante se destaca com a vantagem do mando de campo. Caso a equipe sob observação seja a mandante da partida, sua probabilidade de vitória sobe em até 261,8%, enquanto as chances de assegurar ao menos um empate sobem em até 263,5%. Com base nestes índices, jogar com o mando de campo representa a maior vantagem competitiva (em termos estatisticamente significativos) encontrada na liga nacional do futebol brasileiro. Sinais de maior presença de torcedores a favor da equipe no estádio, pressão sobre a arbitragem, maior familiaridade dos jogadores com o espaço físico ou campo de jogo, além de menos desgaste logístico no deslocamento ao local da partida (em comparação ao adversário visitante) podem ajudar a explicar o peso superior deste resultado. Vale ressaltar que o mando de campo pode servir para escolher outros destinos onde a partida deva acontecer na prática e, portanto, não significa que o clube mandante atue sempre em seu próprio estádio oficial.

Nossa segunda constatação ligada ao calendário diz respeito a diferença de pontos entre os clubes sob observação antes da partida. Isto é, para cada ponto a mais que a equipe apresente no momento em comparação ao seu adversário, a probabilidade de vitória aumenta em 2,3% (por ponto), enquanto as chances de garantir pelo menos um empate aumentam em 2,6% (por ponto). Este resultado traduz como as disparidades no acúmulo de pontos na tabela do campeonato tendem a distanciar ainda mais os clubes de maior potencial esportivo e econômico em comparação aos clubes que não conseguem acompanhar o mesmo ritmo competitivo ao longo da temporada (enaltecendo a diferença qualitativa entre as equipes em termos de níveis de jogadores).

Nossa terceira evidência estatisticamente significativa em torno do calendário refere-se aos clássicos locais (considerando que identificamos 504 clássicos entre os 6506 jogos sob análise). De forma resumida, toda vez que uma equipe (ou treinador) enfrenta um rival tradicional histórico da mesma cidade (ou estado em alguns casos específicos), a probabilidade de vitória é reduzida em 19,3%. Apoiados pela ausência de um efeito na incidência de empates, podemos argumentar que um clássico local no Brasileirão carrega um potencial menor para garantir a coleta de pontos frente a equipes rivais.

Por fim, também devemos valorizar a ausência de impacto sobre o rendimento esportivo por parte de outras 3 variáveis de controle presentes na nossa avaliação: [1] o fato do adversário ter trocado de treinador antes do jogo, [2] a diferença no percentual de aproveitamento entre as equipes e [3] a diferença de dias de descanso antes da partida sob observação. Embora não-significativos pelo cálculo estatístico, esses 3 elementos fortalecem indícios de como o calendário de jogos poderia ser manipulado de forma estratégica por parte dos clubes no planejamento de confrontos com maior antecedência.

C) Características do treinador

Chegando ao último agrupamento de resultados que merecem maior atenção, reunimos os prognósticos estatísticos provenientes de características específicas sobre o treinador atuante no Brasil.

Se o treinador responsável por conduzir a equipe na partida sob observação for interino, a probabilidade de coletar pontos é reduzida drasticamente, elevando o risco de derrota. Segundo os índices que encontramos, o treinador interino diminui em 41,5% a probabilidade de uma vitória e em 51,3% a probabilidade de um empate (em qualquer momento do campeonato brasileiro). Tais consequências levantam outro sinal de alerta sobre o impacto prejudicial de mudanças de líderes durante a temporada, pois a transição desde a saída de um treinador efetivo até a chegada de seu substituto tende a agravar o rendimento esportivo da equipe.

Além dos interinos, os treinadores nascidos fora do Brasil também aumentam consideravelmente o risco de derrota durante a temporada. Isto é, de acordo com os dados extraídos ao longo de 16 temporadas de pontos corridos no Brasileirão, quando o treinador responsável pelo comando da equipe é estrangeiro, a probabilidade de vitória se reduz em 42,8%, enquanto as chances de se obter no mínimo um empate são reduzidas em 48,0%. Esta evidência científica ajuda a explicar como os treinadores estrangeiros parecem necessitar de um tempo ainda superior aos brasileiros na adaptação ao contexto laboral, cultural e competitivo vigente no país. Por outro lado, também pode ser um reflexo da pequena quantidade de treinadores internacionais compondo a nossa amostra, uma vez que o nosso estudo capturou somente 13 indivíduos nascidos fora do Brasil (em 16 passagens efetivas e 1 interina), cuja participação representa menos de 2% das observações sob análise.

Nem a idade do treinador, tampouco a sua experiência como jogador profissional interferem diretamente no rendimento esportivo. Ou seja, com resultados não-significativos na nossa análise, estereótipos comumente desenhados pela imprensa esportiva brasileira com relação a treinadores mais jovens, mais velhos, ex-jogadores ou profissionais acadêmicos não mostraram diferenças estatisticamente significativas para contribuir ou prejudicar o rendimento durante o Brasileirão. Esta constatação ajuda a desmistificar ainda mais os argumentos subjetivos sobre um suposto perfil ideal de treinador no país, sobretudo pelo fato de 80% da nossa amostra ser composta por treinadores que foram jogadores profissionais, além da sua faixa de idade percorrer uma janela de 4 décadas (com o treinador mais novo computando 30,8 anos e o mais velho 72,5 anos – enquanto a média geral indica 50,4 anos de idade).

Os últimos resultados que enaltecem a experiência do treinador referem-se a méritos competitivos. Já que é muito comum testemunhar indicações de dirigentes defendendo suas escolhas de treinadores pelo histórico bem-sucedido do novo empregado (especialmente em torneios eliminatórios), decidimos verificar se determinadas alegações realmente se traduzem em algum efeito sobre o rendimento esportivo na prática. Contudo, nossos resultados contradizem os discursos dos anunciantes, apesar de existir uma única exceção: treinadores finalistas da Copa Libertadores tendem a aumentar (em 16,4%) a probabilidade de se coletar ao menos um ponto na partida ao longo do Brasileirão (mas não influenciam as chances de vitória). Ao examinarmos o impacto de treinadores que já haviam sido finalistas (antes de cada jogo sob análise) da Copa do Brasil e da Copa Sul-Americana, não identificamos prognósticos estatisticamente significativos que pudessem influenciar o resultado de uma partida na liga nacional. O mesmo raciocínio se mostrou válido para treinadores que já haviam sido campeões do Brasileirão até o momento do jogo (nenhuma diferença no rendimento). Tampouco notamos efeitos de influência nos resultados devido ao volume de participações do treinador em campanhas de acesso à Libertadores ou de participações em campanhas de rebaixamento (que representa a nossa variável de demérito competitivo na liga nacional). Em suma, o histórico do treinador carrega muitos benefícios intangíveis à organização, porém somente o êxito do seu passado evidentemente não garante sucesso no presente ou futuro.

Para concluir, a PARTE 4 trará uma revisão sobre as principais implicações práticas em torno dos treinadores, dirigentes e torcedores interessados no avanço do futebol brasileiro.

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