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Em tempos de pandemia, as lives e encontros virtuais tornaram-se cada vez mais comuns. O intuito é facilitar a aproximação das pessoas, em virtude do necessário isolamento social vivido durante a COVID-19, e a tecnologia tornou-se uma grande aliada para diminuir o impacto neste período.

Lado outro, o futebol, esporte mais popular do mundo, vem com um certo atraso em relação aos demais esportes, apesar de fazer uso há algum tempo da tecnologia para melhorar a performance de seus atletas. Cito como exemplo a efetivação do setor de análise de desempenho; o uso de GPS pelos atletas durante os treinamentos e jogos; bem como a otimização do departamento de fisiologia dos clubes, para que possam extrair o melhor de cada atleta.

Porém, o tema ora abordado, e que está dando o que falar nas últimas semanas, é que a tecnologia, que vem inclusive para ajudar a melhorar o desempenho dos atletas, pode estar sendo usada para infringir regras e descumprir os regulamentos, podendo, inclusive, virar caso a ser analisado nos tribunais desportivos.

Casos recentes demonstram que técnicos de futebol suspensos em razão de medidas disciplinares supostamente trocam mensagens e ligações com membros da comissão técnica que ficam no banco de reservas gerindo a atuação dos atletas em campo.

O assunto que dominou o noticiário na última semana foi a presença do treinador do Atlético Mineiro, Jorge Sampaoli, nas tribunas do Estádio Mineirão, durante duelo contra o Flamengo pela 20ª rodada do Campeonato Brasileiro.

A Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça (STJD), após analisar as imagens do jogo, pode oferecer denúncia contra o treinador argentino pela presença deste no estádio do Mineirão. O mesmo não poderia estar presente em virtude de estar suspenso por receber, pela segunda vez no Campeonato Brasileiro, seu terceiro cartão amarelo.

Outro fato relevante que instigou a procuradoria são as inúmeras imagens da transmissão de TV que mostram, tanto o treinador, quanto outro membro da comissão técnica no banco de reservas, utilizando seus respectivos smartphones durante toda a partida.

O procurador-geral do STJD, Ronaldo Botelho Piacente, em entrevista ao Jornal Super FC[1] de Belo Horizonte, afirmou que o Tribunal poderia solicitar a quebra do sigilo telefônico de Sampaoli, para tentar descobrir se os diversos telefonemas que o Treinador Atleticano deu foram no intuito de instruir o time, mesmo estando suspenso, o que configuraria ato ilícito, passível de punição pelo descumprimento da suspensão imposta.

Antes da esfera esportiva do assunto, cumpre informar que a Constituição Federal, afirma categoricamente e de forma expressa em seu artigo 5º, que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Dessa forma, seguindo o que está exposto no caput do Artigo 5º da Constituição, o mesmo artigo traz em seu inciso X, “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Assim, fazendo um breve paralelo da constituição com o exemplo do técnico argentino, podemos afirmar que a suposta quebra de sigilo telefônico do treinador violaria a intimidade, além de confrontar o inciso X do Art. 5º da Constituição Federal. Isto não poderá ocorrer, pois em nosso ordenamento jurídico a quebra de sigilo telefônico apenas ocorrerá para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, por decisão judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei estabelecer.

Portanto, resta totalmente descabida e sem amparo jurídico, no entender deste colunista, eventual quebra do sigilo telefônico do técnico Jorge Sampaoli. Ademais, caso o treinador estivesse de fato utilizando-se do seu aparelho telefônico para interferir no jogo e enviar instruções ao seus comandados, o tribunal desportivo possui alternativas para cumprir de forma efetiva a punição imposta ao treinador.

E ainda, em razão da Pandemia, cada delegação pode ter apenas 42 pessoas por jogo, contando dirigentes, atletas, staff, dentre outros.

Complementando, a diretriz técnica elaborada pela CBF[1], demonstra categoricamente em seu Capítulo 4 – PRÉ JOGO[2], que o credenciamento das equipes deverá ser solicitado em até três dias úteis, vejamos:


Desta forma, retomando o caso do técnico Jorge Sampaoli, resta evidente a falha no controle de acesso da CBF, bem como no cumprimento da punição ao treinador do clube mineiro. Se há necessidade de credenciamento prévio, a CBF, no momento de habilitação da delegação atleticana, deveria ter analisado a condição do treinador mineiro, e se sua entrada no estádio era permitida como membro da delegação.

Portanto, o presente artigo possui o objetivo de trazer as seguintes reflexões: o STJD não detém competência para requerer a quebra do sigilo telefônico em exemplos como os citados acima, em razão da inviolabilidade da intimidade do treinador, pois, em nosso ordenamento jurídico, a quebra de sigilo telefônico apenas ocorrerá para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, por decisão judicial, nas hipóteses e na forma em que a lei [1]estabelecer.

Resta cristalino, ainda, que o futebol vem buscando a utilização da tecnologia para o desenvolvimento do esporte, e que a sua utilização de forma correta trará inúmeros benefícios aos atletas; ao público, que verá um futebol de melhor qualidade.

Por fim, a Confederação Brasileira de Futebol, em que pese ter realizado regulamentação para o retorno das competições sob sua responsabilidade, ainda falha no controle de entrada de acesso dos membros que não poderão estar no estádio, seja pela punição imposta, seja por superar o número de 42 pessoas por delegação dos clubes.

*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol


[1] https://www.otempo.com.br/superfc/atletico/galo-x-flamengo-stjd-pode-pedir-quebra-de-sigilo-telefonico-de-sampaoli-1.2411360

[1] https://conteudo.cbf.com.br/cdn/202007/20200724204440_467.pdf

[1] LEI Nº 9.296, DE 24 DE JULHO DE 1996.

[2] Capítulo 4, Pg.23, alínea “d”

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