Por muito tempo o viés físico tomou conta de toda análise mais aprofundada sobre futebol. Principalmente aqui no Brasil. Somos um dos melhores nesse quesito no mundo. Não há dúvida disso. Muito por conta da enorme preparação, estudo e dedicação dos profissionais dessa área nascidos por aqui.
Membro fixo e obrigatório há muito tempo de qualquer comissão técnica minimamente estruturada, sempre era o preparador quem ditava a maior parte de uma sessão de treino. O técnico dava o conhecido ‘coletivo’. Onze contra onze. Sem campo e/ou regra adaptada para forçar um maior número de situações-problemas de jogo que precisasse ser melhor trabalhada. Havia a ideia de que com os jogadores bem condicionados fisicamente o melhor a se fazer era deixá-los jogar.
Apesar da evolução das metodologias e de um aprimoramento no olhar para entender o que se passa dentro das quatro linhas ainda está na nossa cultura um resquício dessa herança física de entender futebol. É comum ainda ouvirmos que determinada equipe não está rendendo porque está mal fisicamente. Ou que tal jogador ‘morre’ no segundo tempo.
Tais observações, porém, desprezam o caráter complexo e sistêmico que caracteriza o jogo de futebol. Nem no aspecto individual, muito menos no coletivo, apenas uma valência é determinante para explicar determinado resultado. A parte física é uma variável do jogo, mas está longe de ser a única. O que mais chama a atenção é, junto com o físico, os aspectos táticos, técnicos e emocionais. Um drible por exemplo: precisa de um preparo do corpo para ser executado, mas também do gesto técnico, da orientação tática (ou para o lado ou para frente ou para trás) e do emocional, com a coragem. Contudo podemos aprofundar a análise e trazer que essa simples ação também carrega componentes cognitivos, espirituais, antropológicos, sociais e etc.
Uma equipe bem treinada, com comportamentos coletivos claros, bem definidos e executados com excelência se desgasta pouco fisicamente para cumprir o objetivo do jogo, que é fazer mais gols que o adversário. Correr demais na maioria das vezes escancara a falta de mecanismos bem coordenados. ‘Raça’ não é correr muito. Tem mais essa ‘raça’ que o torcedor tanto adora aquele jogador que sabe exatamente as funções que tem que executar e um repertório vasto para resolver com eficácia os problemas inesperados que todo jogo carrega.
Romper paradigmas é necessário para construirmos o novo. O futebol brasileiro está evoluindo, sem dúvidas. É raro vermos os jogadores correndo em volta do campo para jogar melhor o jogo. A especificidade já impera na maioria dos clubes. Para melhor jogar futebol mais se deve treinar futebol, com foco em melhorias deliberadas e planejadas. E não melhorar a velocidade, aumentar carga no supino e no leg press com fim nessas próprias atividades. Um futebol de excelência requer treinos de excelência. E também análises mais conectadas com o caos sistêmico que o jogo carrega em sua própria natureza.
*As opiniões dos nossos autores parceiros não refletem, necessariamente, a visão da Universidade do Futebol