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“Sabedoria não é ter opinião certa, é mantê-la aberta.
 Para isso servem os dados e as informações:
 para que o conhecimento seja sempre revisto.”

(Daniel Piza, jornalista e escritor brasileiro, 1970-2011).

Crédito imagem: Walmir Cirne/AGIF/CBG

Há quem afirme que estamos vivendo na “Era do Conhecimento”. Mas talvez seja melhor falarmos em “Era dos Dados” ou “Era da Informação”. Com a rápida evolução da tecnologia e das redes digitais e sociais, particularmente a partir da década de 1990, o mundo tem ficado progressivamente mais interconectado, tornando o acesso aos dados e às informações mais barato e, consequentemente, em princípio, disponível a todos.

Porém, é prudente não nos apressarmos em concluir que essa tendência já está devidamente consolidada e se constituindo em uma verdadeira conquista dentro de um movimento de democratização universal do acesso aos dados, informações e conhecimentos. Para contrapor a esta ideia, basta lembrarmos que algumas pesquisas mais críticas nos sinalizam que – sem contar a população que não tem qualquer acesso à Internet (cerca de 25% dos brasileiros, por exemplo) – há ainda diferenças gritantes na qualidade deste benefício, disponível supostamente a todos, incluindo as camadas mais carentes da sociedade. Sem muitos recursos e uma adequada formação educacional, por exemplo, o próprio acesso aos dados e às informações dá-se de forma precária, insuficiente, e, desta forma, contribui muito pouco no sentido de promover o conhecimento ou um verdadeiro desenvolvimento humano e social mais ampliado.  

Além de tudo, temos que reconhecer que o simples acesso aos dados e às informações não significa, necessariamente, acesso ao conhecimento propriamente dito. E para reforçar este exercício intelectual, vamos inicialmente destacar as diferenças entre “dados”, “informações” e “conhecimentos”.

Dados são elementos quantitativos ou qualitativos dos fatos e que, em si, não significam muita coisa. São apenas e tão somente dados extraídos dos fatos. Para deixar mais claro, e tomando o futebol como exemplo, podemos afirmar que um dado quantitativo seria constatar que determinado jogador percorreu 7,5 quilômetros em uma partida de 90 minutos. Já um dado qualitativo seria constatar que o jogador X se lesionou gravemente no último jogo de sua equipe.

Por sua vez, as informações são os elementos quantitativos do fato, contextualizados aos elementos qualitativos. A informação ocorre quando, diante de determinadas circunstâncias e contexto, conseguimos dar algum significado aos dados. Seguindo o exemplo anterior, podemos afirmar que uma informação surge quando juntamos alguns dados, tais como os já citados, e verificamos que determinado jogador percorreu 7,5 quilômetros durante 90 minutos (dado quantitativo), enquanto outros jogadores na mesma posição e modelo de jogo semelhante correm, em média, 9 a 10 quilômetros (outro dado quantitativo). A estes dados, juntamos mais o dado qualitativo de que o jogador, após uma inatividade por lesão, se afastou dos jogos por um longo período. Temos aqui um conjunto de dados que nos fornece uma informação, uma vez que demos algum contexto aos dados.

Dentro desta lógica, os conhecimentos seriam o resultado qualitativo das conexões entre as diversas informações. Ou seja, o conhecimento ocorre quando conseguimos dar sentido ao conjunto de informações obtidas. E voltemos ao exemplo: a partir de diversas informações obtidas, podemos concluir que o percurso de 7,5 quilômetros, abaixo da média de outros jogadores da mesma posição e jogando em modelos de jogo semelhantes, se deveu a uma opção do treinador que, pela qualidade técnica do jogador em questão, preferiu escalá-lo mesmo considerando suas limitações físico-fisiológicas para poder cumprir integralmente as suas funções neste jogo de retorno após uma lesão.

Além do conhecimento no sentido aqui adotado, podemos também incluir um outro tipo de conhecimento – poderíamos dizer, mais avançado – que chamaríamos de “sabedoria”. A sabedoria ocorre quando entendemos a complexidade das relações envolvidas nos fatos analisados e sabemos relacionar inteligentemente todos os conhecimentos disponíveis, sempre dinâmicos e em movimento, a ponto de sermos capazes de tomar decisões acertadas, conforme determinado objetivo.

Nesta perspectiva, a partir de uma compreensão ampla e sistêmica, que inclui o propósito (profissional e de vida) do jogador, podemos ministrar treinamentos específicos e gerais e orientar o atleta através de procedimentos que o auxilie a superar as dificuldades na fase pela qual passa (boa ou má). Enfim, podemos tomar as melhores decisões a partir dos dados, informações e conhecimentos adquiridos, melhorando a capacidade do jogador individualmente e do seu desempenho junto à equipe, devidamente alinhado às metas individuais e coletivas traçadas.  

Portanto, a ideia central desta proposta conceitual é que os dados devem gerar informações, que por sua vez geram conhecimentos, e que, finalmente, esses conhecimentos possibilitem melhorar a nossa capacidade para tomar boas decisões, ou seja, decidir com alguma sabedoria.

Porém, ao lidar com essas tomadas de decisão não podemos ser ingênuos, concluindo que elas dependem única e exclusivamente de nossa vontade individual. É preciso que tenhamos o claro entendimento de que a produção do conhecimento, seja no futebol ou em qualquer outra área da atividade humana, não é algo que surge apenas a partir de decisões pessoais. Significa, na verdade, o resultado de uma construção histórica, desenvolvida a partir de determinados contextos econômicos, culturais, políticos e sociais em que vivemos. Entender isso é fundamental para que possamos também entender aquilo que chamamos de conhecimento e como ele é produzido e aplicado.   

Outro aspecto igualmente fundamental sobre este fenômeno – e que não pode ser desprezado na análise crítica sobre o papel do conhecimento no desenvolvimento humano e social – relaciona-se à tendência de que os dados e informações, armazenados, organizados e processados exponencialmente pela Inteligência Artificial, através de algoritmos criados pelos cientistas de dados, começa a colocar novos desafios para a humanidade e, em nosso caso, ao futebol.

Qualquer pessoa que acompanha atentamente esta tendência é capaz de imaginar que, em breve, será perfeitamente possível que, em competições de alto rendimento, cada jogador entre em campo, por exemplo, com pontos eletrônicos em seus ouvidos e possa acompanhar uma voz de comando (que pode ser de um treinador ou de uma máquina), que indique ou defina qual será a melhor jogada a ser executada nas circunstâncias que o atleta se encontra em cada instante do jogo. Mesmo que tentativas como essas já tenham sido reprovadas no passado, a tendência permanece e, mais cedo ou mais tarde, voltam para ser implementadas em novas circunstâncias. Aconteceu com a regra do impedimento, com o número de substituições, com a implantação do V.A.R., entre tantas outras mudanças.

Mas o mais impactante de tudo isso talvez seja imaginar que pouco importa se gostemos ou não dessas inovações, uma vez que muitas delas, dentro do modelo de sociedade que vivemos, são definidas muito mais pelo mercado de consumo do que pelos nossos desejos individuais.

Portanto, pensar sistêmica e criticamente, buscando identificar os limites de interferência das ciências dos dados e da informação no futebol – e em nossa vida em sociedade, de forma geral – é algo que merece, e muito, a nossa atenção. Pensemos nisso!

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