Tudo começa com os critérios de seleção de jovens nas famosas peneiras quando, essencialmente, o foco está na busca do talento técnico desportivo.
Não adianta treinar o pé sem formar um ser humano integral. A cultura brasileira, principalmente do futebol, de tirar qualidade de quantidade de atletas, já se mostra um modelo esgotado há anos.
Tudo começa com os critérios de seleção de jovens nas famosas peneiras quando, essencialmente, o foco está na busca do talento técnico desportivo. Ou seja, outras competências técnicas, emocionais e sociais praticamente não são consideradas e sabemos que é a combinação de todas elas que pode tornar um processo sustentável de revelação, desenvolvimento, performance esportiva e, consequentemente, resultados para todos os envolvidos.
Se fosse só no processo de seleção e depois investíssemos no desenvolvimento integral do ser humano, já estaríamos em melhores condições de competir no novo cenário mundial. Mas o que vemos é também uma visão restrita e exploratória em toda jornada. Há um ciclo vicioso instalado que combina a busca de performance técnica, com uma alta carga de treinos e muitos jogos, impossibilitando tempo para se investir em formação integral destes seres humanos. Sem esta formação, os atletas e toda indústria ficam restritos e reféns dos “pés”. Precisam encontrar futuros clubes e países onde esses atletas possam dar a sorte de se adaptarem e continuarem sua trajetória.
Nesse ponto, cabem reflexões: em um mercado global e digital, como um atleta pode prosperar somente com talento técnico? Como um atleta vai ter autonomia se tem capacidades restritas? Será esse o interesse da maioria? Se esse atleta lesionar ou não performar e encerrar sua carreira de forma precoce, qual seu futuro? Cabe também perguntar: o quanto os clubes e marcas que se posicionam ESG (sigla em Inglês que representa investimentos em Meio Ambiente, Social e Governança) se interessam e têm investido significativamente em educação, desenvolvimento e inclusão no futebol?
Sigo firme convocando a indústria esportiva no Brasil para um movimento muito maior. Para uma mudança radical de visão e uma construção estratégica coletiva onde, no centro, esteja a formação e o desenvolvimento dos atletas. Uma construção estratégica onde todos os stakeholders ganhem, onde nosso país possa ser transformado e nossa sociedade possa se desenvolver a partir e através do esporte e da educação.
Basta de clubes e agentes investindo somente para achar minas de ouro. Basta de marcas investirem somente no que dá “like” e visibilidade na mídia. Só cresceremos de forma rentável e sustentável e teremos futuro se entendermos que a mudança é urgente e depende de todos.
Exemplos e inspiração não faltam. O caminho é longo, mas escrevo hoje de dentro da UCLA (University of California), onde fiz uma imersão na NBA e no basquete universitário. Tive a oportunidade de entrevistar pessoas, atletas e ver um público vindo dos quatro cantos dos Estados Unidos prestigiar esses atletas estudantes cujo espetáculo e os resultados são reais dentro e fora das 4 linhas. Difícil? Sim. Vai demorar? Vai. Mas temos de começar.
Texto por: Heloisa Rios