O fim da era Tite: É possível falarmos em legado?

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Texto: Rafael Castellani e Lucas Alecrim. Não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.

Dia 16 de janeiro de 2023, seis anos após o início de trabalho no cargo de treinador da seleção brasileira masculina de futebol, Adenor Leonardo Bachhi, ou Tite, como conhecido no mundo do futebol, finalizou seu contrato com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Neste interim, foram 81 partidas realizadas pela seleção brasileira sob seu comando, nas quais obteve 60 vitórias, 15 empates e somente 6 derrotas. Estatisticamente falando, Tite obteve no decorrer destes 6 anos, 80% (aproximadamente) de aproveitamento dos pontos disputados. 

No entanto, ainda que os números e as estatísticas nos digam muito sobre o desempenho no futebol, eles, por si só, não explicam tudo, tampouco dão conta de analisar qualitativamente esse desempenho. Se as ciências exatas nos permitem conhecer inúmeras variáveis relacionadas ao jogo e prever com determinado índice de confiabilidade determinados acontecimentos, há uma característica fortemente marcante no futebol que os números não são capazes de mensurar exatamente: sua imprevisibilidade. Foi ela, a imprevisibilidade, que “jogou por terra” o grande favoritismo que a seleção brasileira levava diante da seleção Croata nesta última Copa do Mundo e que certamente impactou na avaliação do trabalho de Tite e sua comissão técnica, bem como no legado que porventura tenham deixado à próxima comissão técnica.

Se Tite tivesse ganhado todos os jogos que disputou e perdesse uma única partida, mas que representasse a eliminação na principal competição disputada, acarretando a falha na conquista do seu principal objetivo, o hexacampeonato, seu trabalho seria avaliado como positivo ou negativo? É correto avaliarmos seu desempenho tendo como referência uma única partida? Faz sentido avaliarmos seu trabalho tendo como principal item de análise o aproveitamento dos pontos disputados? Afinal, podemos falar que Tite fez um bom trabalho? Terminado seu ciclo de seis anos como treinador da seleção brasileira, Tite, e sua comissão técnica, deixou algum legado?   

Se olharmos simplesmente para os números, certamente podemos dizer que o Tite fez um ótimo trabalho, afinal, 80% de aproveitamento em 81 partidas disputadas é uma marca expressiva. Mas, como já dissemos, não podemos olhar somente para esse número e dado. Vejamos outros então… 

Sobretudo após a eliminação da seleção brasileira na Copa do Mundo do Catar, tem sido constante na mídia esportiva brasileira, bem como nas mesas de bares, críticas aos adversários que o Brasil enfrentou na era Tite justificando, assim, o argumento de que esse aproveitamento é pouco representativo e que somente pela fragilidade dos adversários enfrentados a seleção brasileira obteve tantas vitórias. 

Nesse sentido, a fim de trazer mais elementos que nos ajudem a analisar tais argumentos, buscamos explicitar as seleções de cada continente que a seleção de Tite enfrentou avaliando seu desempenho. 

Se considerarmos que as principais seleções do futebol mundial estão no continente europeu, algo refutado por nós, mas cotidianamente repetido pela mídia esportiva, enfrentamos poucos adversários “de primeira classe”. As partidas contra seleções europeias representam somente 15% das realizadas na “era Tite”.  Ainda assim, insistem os comentaristas esportivos, que enfrentamos seleções fracas e que nosso desempenho foi ruim. No entanto, nossos dados mostram o contrário.  Dentre todas as seleções do velho continente, Tite enfrentou as seleções da Suíça (2 vezes), Sérvia (2 vezes), República Tcheca, Alemanha, Inglaterra, Bélgica, Croácia (2 vezes), Rússia e Áustria. 

Tá certo que não enfrentamos a forte equipe francesa, vice-campeã mundial, nem a jovem e talentosa seleção espanhola. Mas é inegável que dentre as equipes enfrentadas, está aquela que foi nosso algoz na última Copa do Mundo, a Croácia (terceira colocada), e as seleções da Inglaterra e Alemanha, bem como as seleções da Suíça e da Sérvia que, apesar de menos tradicionais, costumam ser bastante competitivas.  Nas 12 partidas disputadas contra equipes europeias durante o ciclo de Tite como treinador da seleção, foram 8 vitórias, 3 empates e somente uma derrota, 75% de aproveitamento.

Entendemos que esses confrontos poderiam ter sido mais frequentes caso os calendários entre confederações estivessem em maior sintonia, tal como acontece em decorrência do novo formato de campeonato europeu da Nations League (torneio organizado pela UEFA) que agora preenche várias datas ao decorrer do ano.

Referente ao continente das Américas (CONMEBOL e CONCACAF), Tite e seus comandados tiveram números expressivos com 40 vitórias, 10 empates e 4 derrotas, 80,1% de aproveitamento, número superior ao obtido nos enfrentamentos com equipes europeias.  Quanto às seleções da Ásia e Oceania, não há muito o que comentar, uma vez que a seleção brasileira obteve 100% de aproveitamento.

Entretanto, as equipes que mais impuseram trabalho à seleção brasileira foram as equipes africanas, vinculadas à Confederação Africana de Futebol (CAF). De todos os seis confrontos, o Brasil teve apenas 3 vitórias, 2 empates e uma derrota. Proporcionalmente falando, o pior aproveitamento de pontos que a seleção brasileira obteve na era Tite. O último confronto foi a derrota para a seleção de Camarões na Copa do Mundo de 2022.

Esperamos que após essa “viagem pelo mundo”, tenhamos possibilitado traçarmos um diagnóstico mais preciso sobre os confrontos realizados pelos seleção brasileira para entendermos e analisarmos o desempenho enquanto Tite esteve como treinador. Vale ressaltar, que das seis derrotas sofridas por Tite, metade (três delas) foram em confrontos contra a grande rival e atual campeã mundial, Argentina. No entanto, esse panorama, apesar de nos ajudar a compreender esse contexto, por si só não responde totalmente à nossa indagação sobre o desempenho da seleção brasileira neste período, afinal, para avaliarmos um trabalho, temos que ter conhecimento acerca dos objetivos traçados no início deste trabalho. Quais foram os objetivos traçados pelos dirigentes da CBF e pelo Tite com a sua comissão no início do planejamento? Se obter um bom aproveitamento dos pontos (ou partidas realizadas) disputados era um objetivo, podemos afirmar que Tite obteve sucesso. Se era fazer a seleção brasileira novamente ser temida pelos adversários, também podemos afirmar que obteve êxito, pois sempre estivemos dentre as favoritas para vencer a Copa do Mundo do Catar. Classificar para a Copa do Mundo certamente esteve entre os objetivos, mas obter pontuação recorde nas eliminatórias não sabemos. De fato, o desempenho foi excelente! Conquistar a Copa América de 2019 estava entre os objetivos prioritários ou era parte da preparação para a conquista da Copa do Mundo do Catar? Caso tornar-se campeão da Copa América era um objetivo importante, Tite obteve êxito. No entanto, se o objetivo era ser Campeão do Mundo, e conquistar o hexacampeonato mundial, ai, independente do bom desempenho geral, Tite não obteve sucesso e, portanto, seu trabalho não pode ser avaliado como positivo.  

Por fim, para pensarmos num possível legado da era Tite à seleção brasileira, temos que trazer para análise o processo de formação da equipe. De acordo com a matéria da UOL, publicada no dia 07/11/2022, Tite convocou 88 atletas para servirem à seleção brasileira. Apesar do número expressivo de jogadores convocados, o recente ex-técnico da seleção brasileira procurou dar continuidade às convocações de atletas da gestão anterior (como Alisson, Marquinhos, Thiago Silva, Casemiro, dentre outros). Foi perceptível também que atletas do ciclo olímpico foram utilizados tanto para competições oficiais, quanto para amistosos (exemplo de Gabriel Jesus, Gabriel Martinelli, Bruno Guimarães, Douglas Luiz, Bruno Guimarães, Antony, dentre outros), permitindo assim uma passagem mais ampla pela “formação de um jogador da seleção brasileira”. Será esse o caminho da nova gestão da seleção principal que almeja tanto o hexacampeonato? Esse legado precisa ser continuado pela próxima comissão? 

E para você, qual o legado Tite deixa à próxima comissão técnica que irá assumir o comando da seleção brasileira masculina de futebol? Esperamos que nosso texto o ajude nesta reflexão.

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