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Parte 2 – A complexidade de um treinador no alto rendimento do Brasil

No território brasileiro, os treinadores profissionais também tendem a ser valorizados pela sua competência em adaptar-se ao ambiente. Segundo o que sugerem os entrevistados, “deve haver uma sabedoria para equilibrar e se adaptar”, “entendendo a realidade e as necessidades do clube de modo que seja possível conduzir o trabalho”, caso contrário o treinador pode se ver preso em meras repetições. Conforme defendido por um dos membros de comissões técnicas, “adaptar-se a diferentes cenários é algo inegociável, não necessariamente na competição mas em torno do clube, porque é muito comum encontrarmos treinadores que querem implementar as mesmas ideias, a mesma estratégia e se comportarem do mesmo jeito que fizeram em momentos de sucesso do passado”. Para demonstrar tal competência enquanto se ajustam ao seu respectivo ambiente profissional, duas condições foram identificadas entre as percepções dos entrevistados: compreender a região e compreender o clube

A capacidade para poder compreender a região se baseia nos aspectos socioculturais e geográficos que distinguem o vasto território da República Federativa do Brasil, cuja composição unifica o país em cinco regiões e 27 unidades federativas. Embora apenas uma parcela dos estados tenha representantes nas principais competições de futebol do país, os entrevistados deste estudo fizeram questão de esclarecer que os treinadores devem absorver as diferenças culturais e comportamentais em cada região onde venham a trabalhar, a fim de potencializarem o entendimento regional enquanto se adaptam ao ambiente onde o clube se situa. Afinal, como exemplificou um dos treinadores, “as dimensões continentais influenciam clubes com diferentes culturas no país”. Aliado ao raciocínio, outro entrevistado inclusive notou que eles devem constantemente “mudar segundo a cultura local, porque existem diferenças entre estados que forçam o treinador a saber lidar com distintos cenários”. Em face a tal diversidade regional no mesmo território, as experiências vividas pelos treinadores inevitavelmente tendem a variar: 

“Existe uma grande diferença comportamental entre uma região e outra e você tem que adequar o seu perfil a cada região em que for trabalhar. Um dos principais pontos que o treinador precisa apresentar para ter êxito no Brasil é o sentimento de que em cada região você deve trabalhar de uma forma diferente. Não me refiro só às relações com as pessoas, mas às características da região. Por exemplo, no Centro-Oeste você tem temperaturas muito altas ao longo do ano, inclusive com queimadas, poluição, fumaça. Os jogadores têm uma desidratação absurda, desgastando muito o aspecto físico. Você precisa ter uma sensibilidade muito grande não só na relação com o atleta pelo desgaste que ele tem, que traz uma queda de rendimento, mas principalmente na organização das cargas de treino, porque se você treinar muito o jogador vai chegar cansado para jogar. Por outro lado, já no Norte do país eu tive que ser flexível e mexer na estrutura do time devido às condições dos gramados onde nós jogávamos, mudando a minha visão e o meu modelo de jogo. Somente para pontuar exemplos de como cada local tem a sua peculiaridade.” 

Ainda de acordo com as percepções dos profissionais, os treinadores também devem fomentar, concomitantemente, a sua capacidade em poder compreender o clube, uma competência que estende o convite a “detectar a verdadeira identidade dentro do clube, assimilando a sua realidade”. Conscientes sobre a influência de aspectos internos e que são inerentes ao clube na condição de uma organização ampla, porém local, os treinadores devem buscar diagnosticar o clube onde trabalham a fim de se comportarem em consonância com a cultura organizacional identificada pelas pessoas já empregadas na instituição. Uma vez que o processo de treinamento se incorpora ao ambiente do clube, torna-se determinante “entender onde você está chegando, onde você vai trabalhar e como você se relaciona com as pessoas”, além de “tentar reunir o máximo de informações possíveis sobre o que o clube oferece, quem são as pessoas envolvidas e o que já está em funcionamento”. Tal reflexão em caráter antecipado convida os treinadores a demonstrarem maior flexibilidade profissional, ilustrando como o alto rendimento do futebol brasileiro requer um cuidadoso ajuste de atitudes, ideias e decisões dependendo de cada ambiente de trabalho em que a profissão do líder técnico é exercida. 

“Por mais que você tenha conteúdo e metodologia de treino, quando você é contratado no meio de um campeonato, qual é o método ou ideia de jogo que você consegue aplicar? É isso o que vai fazer a diferença? Ou é o seu processo de adaptabilidade em estar bem preparado para compensar e colocar as coisas mais simples e rápidas para que você reequilibre e dê resultado em curto prazo? Muitos profissionais têm conteúdo, mas sem nem conhecer os jogadores, as características, saber se os salários estão atrasados, o que está acontecendo no clube, se tem comida, não adianta entrar achando que é um mágico e vai resolver tudo porque tem bom conteúdo ou desenha um bom treino no papel. Não vai, não adianta. O treinador tem que estar aberto à adaptação ao processo. Se adaptar o mais rápido possível ao momento, à situação, às características dos jogadores. Depois, aos poucos, ele consegue inserir as suas ideias, a sua metodologia. É um processo de adaptabilidade para que se ganhe tempo sendo simples, direto, objetivo, se adaptando rápido ao clube. Não o contrário, esperando que o clube se adapte à sua ideia. Você não chega para curar a doença, apenas para dar um remédio. Portanto, simplicidade, objetividade e adaptação.” 

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