A preparação física no futebol não existe como parte da opinião pública pensa. Nem sempre quem corre mais, salta mais e tem mais força joga melhor. Em outros esportes, a maximização dos componentes físicos resulta em vitórias e recordes. No futebol, diferentemente, busca-se equilíbrio das qualidades físicas individuais para melhorar o rendimento coletivo dos times.
Nesse cenário, a preparação física é um saber que interage com outros saberes (fisiológicos, biomecânicos, técnicos, psicológicos, táticos, nutricionais, sociais e culturais) para formar um time competitivo. A preparação física não “causa”, isoladamente, a intensidade e a velocidade de um time. Nos treinos de futebol, a preparação física não ocupa um momento isolado do resto (a pré-temporada é uma exceção a essa regra). Em outras palavras, a intensidade do time é determinada pela preparação específica e características dos jogadores – e não só pela preparação física. Conceitual e funcionalmente, o saber físico é apenas mais um componente do plano de treino, entendido na sua totalidade.
Da maneira como é imaginado pela opinião pública, o preparador físico parece um encantador, um mágico, que aplica uma fórmula que fará o time correr mais ou menos. Quando se diz “a equipe vai reforçar a preparação física” ou “a equipe está lenta, logo mal preparada fisicamente”, incorre-se nessa ideia simplista de que o preparador, por si só, tem o dom de acelerar um time ou, por incompetência, causar sua fadiga precoce. Mas as ações motrizes do jogo, e o estudo dessas ações, mostram algo diferente. O alto rendimento – o “time que corre” – depende de fatores que ultrapassam o controle do preparador físico: fatores como a inteligência e a qualidade dos jogadores, jogadores reservas com potenciais para a titularidade, a idade-média do time, as táticas aplicadas pelo treinador, o calendário, as viagens, o gramado, a relação com a torcida, e, principalmente, o plano de treino em geral. O preparo físico decorre do nível de exigências (intensidade, volume e densidade) nos treinos com bola. Não é o treino “físico” – as corridas em volta do campo, o aquecimento etc. –, mas os treinos específicos que determinam a força de jogo.
A preparação física possui, sim, responsabilidades particulares: avalia, por exemplo, a intensidade dos esforços e o tempo de recuperação em relação aos conteúdos de treinos e jogos. Também individualiza treinos de acordo com necessidades especiais de cada jogador. Mas, repito, ela não existe isolada do trabalho de preparação total, da qualidade do elenco, da sinergia coletiva, e assim por diante. O futebol, complexo e impreciso, é jogado e vivido com emoção – mas precisa ser pensado com cautela analítica, se não quisermos procurar “causas” simplistas para problemas mais profundos. Entender o futebol não é uma questão acadêmica abstrata – mas uma precondição para a melhora do rendimento e, ali adiante, para vitórias e títulos.
Texto por: Professor Elio Carravetta
*Este é um conteúdo independente e não reflete, necessariamente, a opinião da Universidade do Futebol.