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Há situações que ampliam o ecossistema tradicional do futebol e envolvem interesses de indivíduos.

As denúncias de corrupção e aliciamento de jogadores de futebol nas últimas semanas aceleraram uma discussão antiga. Ela nunca foi tão dramática, ruidosa e nociva. Isso a ponto de agora exigir uma solução enérgica, sob pena de, de novo, voltarmos a sucatear uma indústria com um potencial tão promissor e transformador como o futebol brasileiro.

Lembremos os analógicos anos 1980, quando tomamos conhecimento da máfia da Loteria Esportiva. Era um esquema criminoso de manipulação de resultados de jogos, revelado por um memorável esforço jornalístico. Na época, ficamos chocados e desiludidos, mas ainda tínhamos a esperança de que o escândalo se converteria em lições capazes de gerar corretivos edificantes. Parece que nada aprendemos.

Agora, o cenário é outro. A virtualização de atividades do dia a dia por meio de aplicativos e plataformas digitais tende a amplificar tudo rumo a uma disrupção que pode gerar caos. É exatamente o que está acontecendo com as apostas de futebol no Brasil, com potencial de contaminar as atividades desportivas como um todo.

Nesse terreno, as ocorrências são escandalosas. Porém, e por mais paradoxal que seja, nem tudo é catástrofe: o que está vindo à tona pode trazer reflexão profunda sobre ética, transparência, governança e a importância vital da educação dos atletas e de toda a indústria do futebol. Talvez o desafio maior seja reverter o processo e fazer do escândalo uma plataforma de inovação.

Parece fácil ganhar destaque na mídia usando nomes dos atletas aliciados, sem dar a mesma ênfase às pessoas e ao esquema amplo de quem os aliciou. O tema é complexo. Não pode ser abordado sem considerar fatores e agentes de um ecossistema que vai muito além dos atletas, clubes, federações, apostadores e sites de aposta. Há situações que ampliam o ecossistema tradicional do futebol e que envolvem interesses econômicos e políticos de indivíduos e do país.

É bom não esquecer que os sites de apostas geram recursos que contam muito para o governo, interessado, sem dúvida, nos tributos que o setor pode gerar. Mas não dá para assistir calado nem de forma passiva ao perigo de esses sites de aposta desvirtuarem o propósito do futebol e de outros esportes. Independentemente de ser a favor ou contra as apostas em jogos esportivos, elas existem e continuarão existindo. Chegou a hora de regulamentar de modo rigoroso. O mínimo é fazê-las observar as regras éticas; convertê-las ao compliance. É essencial que a Justiça possa operar soberana em meio ao ecossistema das apostas digitais ligadas ao esporte.

É legítimo destacar o possível avanço em campos como o aumento do foco na integridade e transparência por meio da própria inovação digital, cujas tecnologias como blockchain ou inteligência artificial podem assumir papel de fiscalização por meio de rastreamento de ativos e transações, como também a segurança para empresas, clubes, atletas e apostadores. Sobre a regulamentação, torna-se imprescindível uma revisão ampla do propósito e dos impactos das apostas. Além disso, devem-se garantir práticas justas e legais, incluindo todos os valores e agentes das transações financeiras.

A palavra “esperança” pode soar ingênua neste nada inocente século XXI. Mas se justifica ainda assim. Esperança porque tais escândalos podem trazer mudanças na forma como o futebol é administrado e regulamentado. Esperança em que eles tragam mais investimentos em desenvolvimento e formação. Esperança em que autoridades governamentais, investidores, dirigentes e líderes entendam que o futebol é potência de transformação econômica, social e cultural, portanto precisa evoluir. Grandes esperanças, por fim, porque é possível, sim, dirigir e canalizar tributos (por meio do Estado) e lucros (por meio da responsabilidade social da livre-iniciativa) para a inclusão de atletas e para a formação de novas lideranças no esporte.

Por fim, que este escândalo leve à compreensão de que, mesmo que apostas existam noutros esportes e de muitas outras formas, que elas sejam coadjuvantes, pois a razão de existir do futebol é e deve continuar sendo maior que um jogo de azar.

Texto por: Hamilton dos Santos, jornalista e doutor em filosofia pela USP, é diretor executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial, Heloisa Rios, especialista em estratégia, inovação e ESG, é conselheira de empresas e sócia-CEO da Universidade do Futebol

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