Por: Nicolau Trevisani
Antes da histeorica semifinal da Libertadores e da “noite mágica” vivida pelo Palmeiras no jogo contra a LDU a comissão técnica do Palmeiras fez algo que ultrapassa a motivação tradicional (muitas vezes até mitológica) muito comum em momentos decisivos no alto rendimento. Nos quartos dos atletas, espalharam placares de grandes viradas e goleadas da história recente do clube — lembranças concretas de que o impossível já havia sido superado antes.
O gesto é simples, mas profundamente intencional: um resgate de evidências positivas. Ao rememorar momentos de superação, a comissão não apenas reforçou a confiança do grupo — reativou a memória emocional da competência. Em termos psicológicos, essa estratégia desperta o sentimento de autoeficácia (Bandura, 1977): a crença de que se é capaz de agir com sucesso diante de um desafio.
Quando o atleta revisita vitórias passadas, ele não se conecta apenas ao resultado, mas ao estado interno que o levou a performar bem: o foco, a energia, a leveza e a sensação de domínio. Essas lembranças funcionam como gatilhos emocionais e neuroquímicos que reduzem o medo e reacendem a motivação intrínseca. É uma forma de dizer ao cérebro: “Você já esteve aqui. E foi capaz.”
No plano coletivo, esse tipo de mobilização cria as condições ideais para o que Alcides Scaglia define como estado de jogo — um estado em que o atleta e a equipe estão plenamente conectados à ação, em sintonia com o contexto, o ambiente e os companheiros. O estado de jogo, segundo o autor, é o momento em que “a lógica do jogo ocupa o centro da atenção”, permitindo que o atleta perceba, decida e aja de maneira fluida, com mínima interferência de fatores externos.
Esse conceito dialoga diretamente com o estado de flow descrito por Mihaly Csikszentmihalyi (1990), em que desafio e habilidade se equilibram, gerando um nível profundo de imersão e prazer na execução. A diferença é que, no futebol, o flow se manifesta dentro de um contexto coletivo, em que emoção, ambiente e intenção tática se misturam numa única experiência.
Foi isso que Abel Ferreira e sua comissão técnica conseguiram despertar:
um estado de jogo coletivo, onde a crença compartilhada reorganiza a emoção e devolve leveza à execução. Não se trata de inflamar o grupo pelo grito, mas de reativar a confiança pela lembrança. De transformar o passado em gatilho emocional para o presente.
A neurociência do esporte explica que esse tipo de lembrança positiva reduz a ativação da amígdala (ligada ao medo) e aumenta a liberação de dopamina, o que favorece a atenção, a coragem e a tomada de decisão criativa. O corpo deixa o modo de defesa e entra no modo de criação — condição essencial para jogar bem sob pressão.
Raphael Veiga resumiu após o jogo:
“A gente precisava de duas coisas: acreditar e jogar futebol.”
Acreditar é o primeiro passo para jogar. Mas jogar com presença, confiança e coerência é o que transforma crença em performance.
Esse caso prático mostra que, no futebol de alto rendimento, a emoção não é oposta à racionalidade — é a base da performance. Mobilizar o grupo emocionalmente não é “motivar” — é reorganizar o estado mental para que o jogo volte a fluir. E talvez essa seja uma das maiores virtudes de uma boa comissão técnica: criar, antes da bola rolar, as condições psicológicas para que o jogo — e o jogador — possam acontecer por inteiro.
Referências Bibliográficas:
- Bandura, A. (1977). Self-Efficacy: Toward a Unifying Theory of Behavioral Change.
 - Scaglia, A. J. (2003). Jogo e Treinamento: Perspectivas da Pedagogia do Jogo.
 - Csikszentmihalyi, M. (1990). Flow: The Psychology of Optimal Experience.
 - Deci, E. & Ryan, R. (2000). Self-Determination Theory.
 - Edmondson, A. (1999). Psychological Safety and Learning Behavior in Teams.
 
Foto: Alexandre Schneider/Getty Images
								

