Supervisão e Afeto: Um Olhar Humano na Relação com Jovens Atletas

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Por: Caio Rizek

A supervisão de futebol vai muito além de planilhas, viagens e cronogramas. O trabalho real acontece nas relações, nos diálogos, nas observações silenciosas durante o treino, nas conversas com as famílias e, sobretudo, nos gestos de cuidado com os meninos que estão em formação.

Como supervisor, me coloco nesse ponto de encontro entre o campo e a vida. Acolho as angústias, percebo as ausências e, muitas vezes, percebo aquilo que o jovem atleta ainda não sabe expressar em palavras.

O Papel da Família e o Equilíbrio Emocional do Jovem Atleta

A estabilidade emocional de uma criança ou adolescente está, em grande parte, ancorada na relação familiar. No futebol de base, essa presença é determinante. Famílias que acompanham, apoiam e compreendem o processo formativo ajudam a criar um ambiente mais seguro, no qual o jovem pode errar, crescer e aprender com naturalidade.

Em contrapartida, a ausência afetiva costuma deixar marcas perceptíveis no comportamento, na forma como o jovem reage às frustrações. Já vi, mais de uma vez, meninos que conviviam com a ausência do pai demonstrarem maior agressividade em campo. Essa energia, muitas vezes, não é rebeldia, mas carência. É o grito silencioso de quem sente falta de referência, de alguém que o ampare emocionalmente.

É por isso que, no futebol de base, a família não é coadjuvante, mas sim parte essencial da formação. Um atleta emocionalmente equilibrado é resultado, em boa medida, de uma estrutura familiar que o sustenta e lhe oferece segurança para lidar com vitórias e derrotas.

Quando o Empresário Ocupa o Lugar do Afeto

Em alguns casos, o empresário surge na vida do jovem atleta como essa figura de referência, preenchendo vazios que deveriam ser ocupados por vínculos familiares. É natural que, diante da ausência do pai ou da distância da família, o jovem busque no agente esportivo alguém que o ouça, oriente e ofereça segurança.

Lembro-me de um episódio marcante: Após uma final do Campeonato Paulista Sub-12, encontrei um menino chorando no vestiário. À primeira vista, parecia a frustração pela derrota, algo comum, parte do aprendizado esportivo. Meses depois, a mãe me procurou pedindo ajuda para analisar um contrato de agenciamento, pois estavam mudando de “empresário” (vale ressaltar que a atividade de agenciamento/representação de atletas é permitida por lei somente a partir dos 15 anos e meio, mas isso é assunto para outro artigo).

Durante a conversa, contou que o antigo agente “não dava muita atenção ao seu filho” e que nem sequer foi assistir à final do campeonato. O menino havia ficado triste ao perceber que os “empresários” dos colegas estavam nas arquibancadas, enquanto o dele não apareceu.

Naquele instante, liguei os pontos: o choro daquele menino, na verdade, não era apenas pela derrota. Era a dor da ausência. A ausência do pai, que mora em outro estado, ou do “empresário”, que havia assumido simbolicamente esse papel de presença masculina e protetora.

Essa situação me marcou profundamente. Mostrou, na prática, o quanto a presença (ou a falta dela) pesa no desenvolvimento emocional de uma criança. O quanto a ausência, ainda que silenciosa, grita dentro do campo.

No ano seguinte, já no Sub-13, o mesmo menino começou a apresentar comportamentos diferentes. Tornou-se mais agressivo, queria se impor perante os colegas e chegou a dizer que os outros meninos “precisavam pedir bênção” a ele, pois ele “mandava” no condomínio onde morava (alguns meninos moram no mesmo condomínio, próximo ao clube). Era uma forma de compensar a ausência com uma busca de autoridade, uma tentativa de sentir-se visto e reconhecido.

Ainda naquele ano, houve uma mudança de treinador, e o menino passou a desafiar a nova liderança, testando limites e confrontando decisões, algo que não acontecia com o treinador anterior, com quem havia estabelecido uma relação de confiança e afeto.

Esse comportamento revelou, de forma muito clara, o quanto as relações de afeto e pertencimento influenciam diretamente na postura do atleta. O menino, na ausência de vínculos sólidos, buscava se afirmar pela imposição, não pelo diálogo. Sua agressividade era, no fundo, um pedido de atenção.

Apesar de tudo, sempre mantive com ele uma relação de simpatia e respeito. No contato olho no olho, sempre senti um vínculo de afeto, algo sincero, recíproco. Ainda hoje, quando o encontro, percebo em seu olhar um carinho silencioso. Gosto de conversar com ele, e sinto que é mútuo. Esse tipo de relação confirma que, mesmo nas trajetórias marcadas por conflitos, o vínculo humano deixa marcas positivas. Isso, para mim, é a essência da supervisão.

Neste ano, ele voltará a disputar uma final do Campeonato Paulista. Estarei atento ao seu olhar. Certamente haverá fortes emoções, e estarei ao seu lado, para o que der e vier.

O Supervisor como Elo de Cuidado

É nesse contexto que o supervisor precisa atuar com olhar sensível e ético. Muitas vezes, é ele quem percebe o que está por trás de uma reação explosiva, de um silêncio prolongado ou de um rendimento inesperadamente baixo. O supervisor é o profissional que precisa conectar o atleta à sua rede de apoio, aproximando família, comissão técnica e demais setores do clube.

Isso exige empatia, discernimento e, principalmente, escuta. Em um ambiente onde o desempenho costuma ser o foco, o supervisor tem o dever de resgatar o humano. De lembrar que cada menino é mais do que um número, uma promessa ou uma estatística: é alguém em processo de amadurecimento, que precisa se sentir visto e compreendido.

Supervisão com Olhar Afetivo e Responsabilidade Educacional

A função do supervisor é também educativa. Ele equilibra expectativas, conduz conversas difíceis, orienta famílias e, muitas vezes, é o adulto confiável que o atleta procura quando o mundo parece confuso. O olhar afetivo, nesse sentido, é ferramenta de trabalho.

A performance esportiva se constrói sobre bases emocionais sólidas. E essas bases nascem de vínculos verdadeiros, dentro e fora do clube. Quando o ambiente formativo é ético, empático e coerente, o atleta se desenvolve não apenas tecnicamente, mas como pessoa.

Um Futebol de Base com Vínculos Verdadeiros

Acredito que o grande desafio e o grande propósito da supervisão é conciliar o profissionalismo da gestão com a sensibilidade do cuidado humano. Trabalhar com crianças e adolescentes exige empatia, paciência e presença.

A família, o clube e o supervisor formam uma tríade essencial para sustentar o processo formativo. Cada um tem um papel fundamental. Quando essa rede se fortalece, o resultado vai muito além do campo: são jovens mais estáveis, confiantes e preparados para a vida.

Caio Rizek
Supervisor de Futebol | São Paulo FC

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2 respostas em “Supervisão e Afeto: Um Olhar Humano na Relação com Jovens Atletas”

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