Na semana passada apresentei na Coluna Tática, um exemplo de sessão de treino, a partir da construção de jogos com regras específicas.
Mais uma vez a repercussão foi muito boa e recebi muitos e-mails. Creio que não conseguirei responder a todos, então me adianto em agradecer as mensagens. Li atentamente todas elas.
Pautando-me em uma dúvida comum que surgiu em alguns desses e-mails, resolvi escrever o texto de hoje.
No texto da semana passada, para ilustrar a sessão de treino da qual falava, acrescentei algumas figuras, com alguns apontamentos sobre as atividades, e com a descrição resumida de cada uma delas. Em todas, escrevi que o tempo de duração do jogo apresentado, era controlado e definido, em função da solução dos problemas propostos.
Pois bem. Foi justamente com relação ao entendimento da variável “tempo” que algumas pequenas “confusões” surgiram.
E é sobre isso que quero debater.
Antes, porém, cabe salientar que os conceitos que envolvem esse debate, sob o ponto de vista da complexidade, merecem muitas páginas e argumentos (já deram inclusive, origem a pesquisas de mestrado e doutorado). Vou tentar, no entanto, ir “direto aos pontos” e resumir o máximo que puder sem perder a qualidade das informações.
Como já mencionei em outra oportunidade, pautar-se na complexidade para a construção de meios, métodos e modelos de treino no futebol, significa tomar como norteador do processo para o desenvolvimento e evolução de um jogar melhor, o próprio Jogo (em letra maiúscula) – e não o Modelo de Jogo (e isso muda tudo).
A evolução e desenvolvimento de um jogar melhor, sempre se expressará através dos jogadores, individualmente e como equipe, jogando.
Jogar melhor significa resolver melhor os problemas que surgem, quando se está jogando. Para resolver melhor os problemas do jogo, o jogador deve estar apto a fazê-lo (expressão de sua intencionalidade). E estar apto, significa ter condições totais e indissociáveis (psíquica, mental, física, técnica, fisiológica, etc.) para fazer o que é melhor para resolver o problema circunstancial do jogo.
Ora, como garantir em uma sessão de treino, a partir de jogos com regras específicas, adaptadas e direcionadas, que o jogador evolua individualmente e coletivamente o seu jogar?
Claro, compreendendo a complexidade de coisas que interferem ao mesmo tempo e o tempo todo na expressão desse seu “jogar”.
Então, por exemplo, com relação à duração da sessão de treinamento, e seus objetivos complexos (que são ao mesmo tempo, físicos, técnicos, táticos, mentais, sócio-culturais, psicológicos, etc.) o tempo total de atividade é dimensionado a partir do tempo real total em que o jogador está envolvido em uma sessão competitiva formal – no caso do futebol, o tempo de preparação para o pré-jogo formal + aquecimento para o jogo formal + tempo total do jogo formal + tempo da conversa e procedimentos finais.
Com a manipulação de outra variável da magnitude da carga (que não a duração), a “densidade”, por exemplo, ao longo de uma semana de treinos (ou de várias semanas, meses ou anos), é possível gerar respostas em vários níveis “aclimatativos” ou “adaptativos” – que gerarão também, por exemplo, melhor resposta metabólica (como me foi perguntado em um dos e-mails) as exigências do jogo.
Então, em uma sessão de treino, a partir da construção de jogos (mas não o “jogo pelo jogo”, sem compreensão sobre a idéia de processo), e respeitando conceitos da complexidade, as atividades, separadamente podem ter um tempo esperado, que é maleável, mas que respeite, por exemplo, a densidade (física, mental, técnica, etc.) planejada e também a duração total programada da sessão.
O mais importante, é que fique claro, que atrelar o tempo das atividades à solução dos problemas que elas propõem, não quer dizer deixar que o tempo dessas atividades transcorra ao bel prazer do acaso – pelo contrário, ele tem que estar amarrado à totalidade e transdimensionalidade que norteia o processo.
Na preparação do futebolista, sob o ponto de vista da complexidade, a dimensão tática do jogo não é mais importante que a dimensão física (ou vice-versa), nem a fisiológica mais importante que a mental ou qualquer outra. Todas são importantes e devem estar subordinadas ao Jogo. Subordiná-la a qualquer outra coisa (como a aspecto físico, tático ou Modelo de Jogo, por exemplo) pode significar um grande erro – e uma armadilha para quem dá os primeiros passos no estudo do tema.
Acho que é isso.
Por fim, uma frase de um texto que escrevi em 2008 (“Caos, acaso e equívocos sobre a preparação do futebolista”) que pode ajudar na reflexão (e colocar uma “pulga atrás da orelha”) dos amigos leitores, que têm me enviado mensagens com dúvidas sobre o conceito de Modelo de Jogo e a preparação desportiva do jogador de futebol:
“Construir uma preparação do futebolista tendo o Modelo de Jogo como fim é um equívoco. O delineamento do Modelo de Jogo deve estar subordinado ao cumprimento da Lógica do Jogo. A preparação do futebolista, então, só faz sentido se estiver subordinada ao Jogo”.
Ah, e mais uma coisa:
No dia 27 de agosto (sexta-feira), no período da tarde (15h30 as 18h30), ministrarei um curso no III Congresso Brasileiro de Ciências do Futebol (“Preparação técnico-tática”). Para maiores detalhes, sobre o curso ou sobre todo o Congresso, segue o link com as informações:
http://www.educacaofisica.com.br/inscricoes/futebol/mostra_curso.asp?id=3456
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br