A eliminação dos quatro clubes brasileiros (Grêmio, Inter, Fluminense e Cruzeiro) da Copa Libertadores na última quarta-feira causou um tremendo frisson no meio esportivo. Nas rodas entre amigos, perguntei: “E aí, quais seriam os motivos?”
O bom e velho discurso reapareceu, como sempre, para não perder o hábito: “o futebol é uma caixinha de surpresa e não existe mais bobo no futebol”. Mas cá entre nós, amigo leitor, isso já não serve mais como resposta, já faz um bom tempo, concorda? Afinal, estando nós entre profissionais que estudam e atuam no futebol, alguma coisa dever ser mais contundente que o simples discurso, porém, tão famoso.
Os desesperados disseram que era um absurdo os clubes brasileiros tão tradicionais perderem para equipes de menor expressão. Pausa! Mas o que é ser tradicional?
Se o fato de ter vencido uma Libertadores, mesmo que tenha sido 30 anos atrás, faz de uma equipe brasileira tradicional, porque o mesmo não se aplica para um Once Caldas, por exemplo, que em 2004 foi campeão, e detalhe: ganhando na época de São Paulo, Santos e Boca Juniors?
Aí entram nas análises brasileiras os dois pesos e duas medidas. Dizem que o Once Caldas ganhou esse campeonato e mais nada. Daí eu retruco: o que o faz ter menos tradição, então, do que Palmeiras, Vélez, Flamengo e Vasco, que também têm um título, e o que o faz ter menos tradição do que um Fluminense, que não detém nenhum título da competição?
O discurso não pode ser enviesado. Se tradição representa conquista, não pode representar as conquistas apenas dos brasileiros. Se tradição tem de ser medida junto com desempenhos recentes, a conquista do Once Caldas é mais nova ainda do que títulos de Santos, River Plate, Grêmio e Cruzeiro.
Se por outro lado existe uma diferença técnica dos campeonatos nacionais, o que faz com que uma equipe como o Peñarol tenha muito mais facilidade de participar do torneio, como dizem alguns críticos? O que faz com que as 38 participações que o clube uruguaio tem, sagrando-se campeão em cinco oportunidades, e detenha aproveitamento de 54% dos pontos, seja tão menos importante que o aproveitamento de 57% que o Inter detém em suas oito participações com 2 títulos?
Enfim, os números podem simplesmente ilustrar o equívoco do discurso vazio de que a tradição brasileira foi surpreendida. Não existe sentido em falar de tradição, e usá-la unicamente a favor do futebol brasileiro. Devem ser observados os desempenhos atuais e se avaliar da mesma forma. Evitando o menosprezo e o despreparo sobre o qual já abordamos num outro texto referente às frequentes derrotas brasileiras para equipes africanas.
Isso também se vale para criticar a desculpa de que não tem mais bobo no futebol – tem, sim! Bobos somos nós, brasileiros, que menosprezamos o futebol dos adversários, sequer se dando ao trabalho de estudar e analisar seu comportamentos.
Bobos somos nós, clubes brasileiros, que mesmo com a transmissão de quase todos os jogos da Libertadores para o nosso território sequer nos damos o trabalho de ver um jogo de um desses ditos times não tradicionais.
Já passou da hora de o Brasil parar de dizer que não existem mais bobos no futebol e perceber que tem feito o papel de bobo ao acreditar que toda sua tradição e conquista serve como argumento de que as outras equipes devem se preocupar conosco e não a gente com eles.
Tudo isso é uma questão de processo, pois os CTs nacionais têm melhorado, os salários estão mais atrativos, a exposição das equipes e jogadores tem crescido e ganhado destaque, enfim, recursos e instrumentos para se consolidar como uma potência (em temos de clubes) o Brasil tem de sobra. Entretanto, lidar com essa falta de integração entre informação , pessoas, e recursos, tem dado muitos sustos ao nosso esporte bretão.
O futebol exige detalhes, exige ciência, exige estudo, exige improviso e talento. Só com os dois últimos tem ficado difícil.
Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br