Não é de hoje que o futebol brasileiro tem olhos para o mercado externo. Neste mês, por exemplo, a seleção brasileira disputou amistosos em Pequim (vitória por 2 a 0 sobre a Argentina) e Cingapura (vitória por 4 a 0 sobre o Japão). Enquanto isso, times locais negociam viagens a Estados Unidos, Europa e Ásia para o início de 2015.
São diferentes focos e diferentes abordagens, mas todas essas iniciativas têm em comum um problema: nenhuma delas contempla a importância e a abrangência que um evento deve ter em um plano de comunicação.
Tomemos como exemplo a seleção brasileira: o time nacional fez em outubro deste ano a segunda viagem a Pequim nos últimos dois anos – em 2013, a equipe canarinho havia visitado a capital chinesa para um amistoso contra Zâmbia. Os jogos na cidade asiática tiveram estádio cheio e atraíram muito interesse da mídia local. E o que a seleção ganhou com isso?
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) vende todos os direitos comerciais e de mídia dos jogos da seleção. Até 2022, essas propriedades pertencem à empresa ISE, que tem um acordo com a inglesa Pitch para organização dos eventos. A Pitch nunca tinha organizado uma partida de futebol até o início da parceria com os brasileiros.
Como a ISE e a Pitch têm liberdade total para escolher sedes, adversários e condições, a seleção é submetida a condições como as do Ninho de Pássaro, estádio em que o Brasil venceu a Argentina em Pequim. A despeito de ser moderna e de ter uma arquitetura chamativa, a arena não apresentou um gramado à altura do jogo. Além disso, a comissão técnica brasileira reclamou das condições (longa viagem, diferença de fuso horário e excesso de poluição no ar).
Se houvesse um ganho de mercado, as condições inóspitas poderiam ser uma escolha. No entanto, só quem tem vantagem na escolha do local é o convênio que organiza o jogo. O valor que a CBF amealhou para enfrentar a Argentina em Pequim é o mesmo que teria sido pago à entidade por uma partida contra qualquer rival e em qualquer cidade.
O que aumenta essa sensação de que a CBF não está realmente preocupada com o mercado asiático é o trabalho feito no dia do jogo. Não houve qualquer vende de produtos oficiais da seleção brasileira, por exemplo. Ao contrário: todos os artefatos disponíveis no estádio eram falsificados.
Além disso, não houve qualquer ação com os jogadores brasileiros e o mercado chinês. O time ficou concentrado em um hotel próximo ao estádio, e de lá saiu apenas para treinar e jogar. A única interação com público local aconteceu no saguão do próprio hotel. Ainda assim, de forma tímida e por iniciativa dos atletas.
A cobertura da mídia local sobre o jogo limitou-se ao evento. A promoção foi sobre a partida, e o reflexo disso foi a venda de todos os ingressos disponíveis. E a promoção da seleção brasileira, como fica.
Não por acaso, Kaká ainda é o jogador brasileiro mais badalado em Pequim. A relevância do meia do São Paulo entre os torcedores chineses chama muita atenção – perto dele, por exemplo, Neymar é claramente um coadjuvante para o público da cidade.
Torcedores que foram ao hotel da seleção tinham como principais ídolos os jogadores de times ingleses (David Luiz, Oscar e Willian), Neymar e Kaká. E quase todos os fãs do meia tinham produtos de clubes que ele defendeu no futebol europeu (Milan e Real Madrid). Kaká não é conhecido na China apenas por méritos dele, mas porque defendeu equipes que são conhecidas na China. E a seleção brasileira não é uma dessas equipes.
A lógica de Pequim foi praticamente repetida em Cingapura. E também é praticamente a mesma em qualquer cidade que receber um jogo da seleção brasileira. Atletas mais conhecidos em mercados emergentes são os que defendem clubes europeus, e a CBF não faz qualquer esforço para mudar isso.
Os clubes brasileiros seguem a mesma lógica. Em 2014, durante a paralisação do futebol local por causa da Copa do Mundo, muitas equipes viajaram para intertemporadas. O Cruzeiro, por exemplo, esteve nos Estados Unidos nesse período. E o que o atual campeão nacional ganhou de relevância por lá graças a essa viagem? Pouco. Bem pouco.
O futebol é um ambiente naturalmente passional. Portanto, é muito mais simples atingir o público nessa seara do que em outras. É a lógica da montanha-russa: depois de um passeio emocionante, com essa sensação ainda fresca, é natural que as pessoas sejam mais suscetíveis a comprar presentes ou recordações. É por isso que os brinquedos de grandes parques desembocam em lojas.
No último ano em que disputou o Super Bowl, jogo que decide a liga profissional de futebol americano (NFL), o New York Giants montou no estádio uma loja própria de grande porte. Assim que a partida acabou, o espaço começou a vender mais de 200 produtos alusivos ao título da franquia.
Pense em você como torcedor: você acabou de ver seu time ser campeão. Quando sai do estádio, ainda extasiado pela conquista, passa por uma loja e vê mais de 200 itens alusivos ao feito. Coisas de diferentes preços, de diferentes perfis. Qual é a chance de você não comprar nada?
É essa emoção que o futebol brasileiro falha ao captar. Falha com o mercado local, mas falha de forma ainda mais clara quando vai ao exterior.
A simples presença de mercado não é suficiente para gerar receita. Não é suficiente para praticamente nada. Não há ganho efetivo se isso não tiver companhia de um projeto claro, incisivo e bem focado.
O Brasil tem quase 200 milhões de habitantes. E em diferentes proporções, há mais de cem milhões de consumidores de futebol. O que as pessoas fazem para que essas pessoas tenham experiências únicas quando vão a um evento e transformem isso em consumo? O potencial desperdiçadao aqui é claro: o Brasil podia ter o maior mercado consumidor de futebol do planeta.
A despeito disso, é justo que o futebol brasileiro busque o exterior. A estratégia lançada por times europeus, que atuam em mercados muito menores, também poderia render frutos por aqui. Mas o que é feito para que isso aconteça?
Estar em diferentes mercados pode ser positivo, é claro, mas isso precisa ser visto apenas como uma etapa. O futebol brasileiro precisa deixar de ver o exterior como um fim. Potencial para isso existe.