O futebol brasileiro, a alienação da universidade e o naufrágio alertado por Paulo Calçade

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Ao longo dos últimos pouco mais de 15 anos tenho estudado, trabalhado e pesquisado o jogo de futebol.

Sei que é pouco, perto do que muitos treinadores profissionais, especialistas e amigos envolvidos na área têm de prática e de pesquisa.

Mas é quase metade do que tenho de idade.

Posso dizer que de certa forma o futebol representa muito para minha vida, pois me propiciou coisas fantásticas, me levou a pessoas muito interessantes, me deu acesso a uma série de conhecimentos, me oportunizou aprendizados singulares… me possibilitou desenvolvimento pessoal, a saber mais sobre ele (o futebol) e a entender melhor a riqueza e diversidade das relações interpessoais.

Tecnicamente falando, uma das melhores coisas que tenho tido no futebol, é a possibilidade de expor e de ouvir, dentro e fora do Brasil (em fóruns específicos) pensamentos, achados, dúvidas e conclusões sobre o jogo.

Ao longo dos anos, tive contato, em diferentes oportunidades e fóruns, com o que tem sido feito em clubes como o Boca Juniors, o FC Barcelona, o Real Madrid, a Inter de Milão, a Juventus de Turim, o Manchester United, o Mamelodi (África do Sul), além de conhecer um pouco sobre o modelo de desenvolvimento de jogadores em equipes no Canadá e Bolívia.

E com um pé sempre dentro da Universidade, a grata possibilidade de que essas oportunidades se tornassem debates com muitos dos nossos melhores pensadores das “Ciências do Esporte”.

Interessante perceber que muitas das coisas que eram (e são) ditas e expostas em muitos dos fóruns internacionais (conceitualmente falando), eram (e são) de conhecimento, há muito, da nossa Academia (Universidade) – mas, de certa forma, distantes da prática do dia-a-dia do futebol brasileiro.

Quantas coisas por exemplo ditas por professores e amigos aqui, eu acabava escutando lá fora, como se fosse a maior novidade do mundo!?…

“No tempo em que as novidades demoravam a chegar por aqui, ninguém precisava se preocupar com o que o Real Madrid ou Milan faziam na Europa. (…) Nosso esporte sempre funcionou na banguela, movido pela força da gravidade e pela administração amadora dos cartolas. Era o suficiente para competir e sobreviver. Pouco importava se havia algum ponto de intersecção com o resto do planeta (…).” Paulo Calçade (trecho do texto “Os urubus do nosso quintal” (recomendo a leitura dele todo) – no Estadão – vide completo em http://esportes.estadao.com.br/noticias/geral,os-urubus-do-nosso-quintal-imp-,1642377).

Nós, brasileiros, de certa forma, sempre aceitamos indiscutivelmente a ideia de que nascemos no país do futebol.

Não sei se essa premissa é que alimentou, como escreveu Paulo Calçade, o “funcionamento na banguela do nosso futebol, movido pela força da gravidade”, ou se o contrário, foi alimentada por ele (pelo tipo de funcionamento inercial).

Preocupação zero com as “intersecções com o resto do planeta”.
O fato, é que enquanto outras culturas futebolísticas olhavam para frente, para trás, para os lados e para nós, nós só olhávamos para nós mesmos – e não víamos.

E o pior é que de certa forma, penso que ainda estamos olhando, hipnotizados e continuamos não vendo – é a hipnose dos focos errados.

A vitória consistente, com os porquês devidamente respondidos, é um processo; não é um evento isolado, descontextualizado e sem significado simbólico.

A derrota avassaladora não é fruto do acaso…

E se por um lado, a realidade factual nos mostra o quanto deixamos de olhar para o “resto do mundo”, por outro, de certa forma, poucas foram as contribuições internas e genuínas ao olharmos para nós mesmos (e claro, poucas, não significa nenhuma, é bom que se diga).

Tenho que concordar, por exemplo, que uma massa grande de conhecimento produzido pelas Universidades no Brasil (no passado e ainda no presente), exposta a partir das exigências de publicações científicas, tem pouca conexão com a realidade dos problemas de comissões técnicas, jogadores, equipes e clubes de futebol.

É polêmico, mas é real.

Por isso às vezes, o olhar para dentro não tem nos mostrado muitas opções.

Claro, existem muitas exceções (temos que separar o joio do trigo), e sim, a Ciência tem muito para contribuir com o futebol – assim como tem sido em países como Espanha, França, Alemanha, Inglaterra – e também Brasil.

Temos que entender o que está acontecendo lá fora… Sim!!!

Temos que olhar para trás, para frente, para os lados, mas também para NÓS MESMOS, com os óculos adequados e com o foco ajustado (afinal temos que entender o que está acontecendo aqui dentro).

A “hipnose dos focos errados”, para dentro (nosso ambiente) e/ou para fora (ambiente dos outros) é ruim.

Mas desconsiderar o que acontece aqui dentro e/ou lá fora também!!!

E se o “pedido de socorro com o naufrágio em curso” – como bem escreveu Paulo Calçade – não for ouvido ou for mal interpretado, o pior virá; porque apesar de tudo, o navio ainda não afundou!!!

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