Amanhã, sexta-feira, o Brasil disputa uma partida amistosa com a seleção da Inglaterra. Será uma partida bastante simbólica, bem dizer. É a primeira partida entre seleções principais no recém-inaugurado estádio de Wembley, aberto ao público depois de uma saga de atrasos e estouros de orçamento. O estádio é bonito, coberto, moderno e elegante. É o mínimo que se pede, uma vez que custou mais de 3 bilhões de reais. Ainda assim, críticas recaem sobre a qualidade do gramado, muito solto, que certamente não condiz com 3 bilhões de reais. Dizem que o mínimo que se pode exigir de um estádio é uma grama decente, não importa o que o circunde. De nada adianta ter um bom lugar para sentar se não há um bom lugar para se jogar.
O que você prefere: Um Wembley atrasado, superfaturado e com problemas no solo ou um Pan atrasado, superfaturado e com problemas no solo?
De qualquer maneira, o simbolismo do Brasil quebrar a champagne de partidas internacionais no casco do novo Wembley, nem de perto tem a importância real que um outro símbolo representado por essa semana de amistosos da seleção. O jogo seguinte à partida de Wembley, em Dortmund, Alemanha, contra a seleção da Turquia, será a vigésima partida seguida da seleção principal fora do país. O último jogo em território nacional foi em 2005, no dia das crianças, 12 de outubro. E só jogou porque foi obrigado, diga-se, uma vez que a partida contra a Venezuela foi pela Eliminatórias da Copa de 2006. A última partida não oficial do Brasil em sua terra de origem foi contra a Guatemala, no dia 24 de abril de 2005, mais de dois anos atrás, realizada em celebração ao aniversário de 40 anos da Rede Globo.
Nada disso é surpresa. A seleção brasileira é uma marca global, e certamente possui mais demanda externa do que interna. Mais certo ainda é a superioridade da disposição de gasto do mercado externo em relação ao mercado interno. Quem paga mais, leva. Regra de mercado.
Também não é surpresa que Londres será palco da seleção pela quarta vez nos últimos nove jogos. Afinal, não existe outro lugar do mundo em que se gaste tanto dinheiro com futebol. E, também, não há outro lugar no mundo, tirando o Brasil, que tenha tanto brasileiro junto. Estimativas sugerem algo entre 80 e 100 mil cidadãos brasileiros morando em Londres. Como uma boa parte desse montante é ilegal, ninguém sabe ao certo. É possível que Boston tenha mais imigrantes brasileiros, mas como por lá não existe futebol, desconsidere-se.
A surpresa, no entanto, fica para a repercussão desse fato. Não é preciso que eu diga aqui que a seleção brasileira não joga há tempos no Brasil para que você perceba isso. Todo mundo sabe que faz tempo que não tem um amistoso por essas bandas. Porém, aparentemente, ninguém se importa muito. O público não se manifesta, a imprensa não fala nada, e o presidente – ou qualquer representante do Estado – sequer comenta. Um comportamento bastante estranho para quem há alguns anos atrás defendia a investigação do poder público na esfera do futebol, a CPI do Futebol, sob a justificativa que “devemos recordar que a importância do futebol em nosso País e o fato de que todos os brasileiros devemos muito a esse esporte – que nos projetou no cenário internacional – impõe-nos a obrigação de cuidar para mantê-lo no elevado patamar que alcançou com a dedicação, o esforço e o suor de muitos compatriotas” (CPI do Futebol, Volume 1, página 12).
Tudo bem que é cada um com seus problemas, e o governo brasileiro ultimamente tem tido bastante, mas ainda assim a passividade da população de um modo geral espanta.
Espanta, mas também sugere.
Uma análise fria sobre esse fenômeno – seleção jogando fora e ninguém reclamando – indica que talvez alguns paradigmas estejam sendo quebrados, na medida em que o país e sua sociedade evoluem. Futebol no Brasil, em especial a identificação com a seleção nacional, não surgiu naturalmente, mas foi uma coisa imposta a todo mundo, principalmente a partir da metade do século XX. Na medida em que o tempo foi avançando, essa imposição estatal do futebol foi diminuindo. Novos esportes, novas condições de acesso e novas tecnologias permitiram que o interesse do cidadão brasileiro fosse sendo diluído em diversas segmentações, raramente compondo um elemento de massa maior. Adicionando a isso uma série de outros fatores, é natural que a identificação do país com a seleção venha sendo diminuída com o passar dos anos.
Concomitantemente a esse fenômeno, houve uma explosão mercadológica global da marca da seleção brasileira. Em tempos de globalização, glocalização e cosmopolitização, nada mais natural que a demanda externa baseada em mercado se superasse a demanda interna baseada em instrumentos simbólicos.
A sociedade brasileira está passando por um intenso processo de mudança, dia após dia.
Essas mudanças podem ter influência direta na demanda pelo futebol.
Um dia, os brasileiros podem deixar de gostar de futebol.
Um dia, os brasileiros podem preferir jogar peteca.
Seria um dia bastante simbólico.
Para interagir com o autor: oliver@universidadedofutebol.com.br