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Passado aqueles históricos momentos que marcaram entre nós a presença do Encontro Canarinho, verdadeiros deuses desta pátria de chuteiras, na expressão de Nelson Rodrigues, pairam no ar algumas perguntas…

 

Trago a mesma dúvida que assaltou Mino Carta (ISTO É nº 232) por ocasião do Mundialito: será que pode entregar-se à emoção da torcida quem deseja um Brasil dada por ele? Não, não pode. O futebol é o ópio da nação. A vitória futebolística interessa aos donos do poder, porque o povo, ao festejá-lo, já não sente que o estômago está vazio. O povo perde de vista o essencial e os donos do poder ganham segurança.

 

De fato, quem assistiu àquelas cenas incríveis no Aeroporto do Tirirical, ou àquelas outras na entrada do Hotel Vila Rica, onde centenas de pessoas se aglomeravam na doce ilusão de, num instante de sorte, desfrutar da suprema emoção de olhar um Sócrates, abraças um Júnior, tocar num Zico, só pode chegar a esta conclusão.

 

Porém, quem esteve presente ao “Elefante Branco”, ah…, me desculpem… Castelão, por ocasião do jogo Brasil x Portugal, pode repetir gostosamente a frase de um amigo meu: Rapazes… Eu vi! De repente eu vi o povo totalmente indiferente aos desesperados apelos do locutor do estádio pedindo palmas para Sua Excelência o Governador do Estado; De repente eu vi o surgir de uma estrepitosa vaia quando o mesmo locutor anunciou euforicamente a presença, na tribuna de honra, do Presidente do PDS. De repente, eu vi quando o povo que lotava os 71 000 lugares do Estádio caiu em contagiante gargalhada quando o já angustiado locutor anunciava a presença nas tribunas do Governador do Século.

 

Neste momento percebo que a resposta à minha pergunta pode ser outra. Noto que embora alegre, o povo estava atento, ciente da inquietante favela que ali ao lado via, sem entender, a presença daquele gigantesco monumento; ciente dos motivos eleitoreiros que levaram à construção daquele monstro de concreto armado; ciente do desrespeito a ele, povo, quando do “globalmente” divulgado desaparecimento das 5000 cadeiras distribuídas generosamente pelos dirigentes aos seus eleitos (ou eleitores?); ciente de que o preço de uma cadeira correspondia a 15% do novo salário mínimo da região; ciente de que enquanto se gasta trinta mil cruzeiros por dia na conservação do maravilhoso tapete verde, famílias vivem em condições sub-humanas bem próximas dali. Enfim… De repente percebo que o povo, ainda entregue à alegria do momento de glória futebolística, nem por isso deixará de reivindicar os seus direitos.

Para interagir com o autor: lino@universidadedofutebol.com.br

*Lino Castellani Filho é Doutor em Educação, docente da Faculdade de Educação Física/Unicamp, pesquisador-líder do “Observatório do Esporte” – Observatório de Políticas de Educação Física, Esporte e Lazer – CNPq/Unicamp, e foi Presidente do CBCE (1999/2003) e Secretário Nacional de Desenvolvimento do Esporte e do Lazer/Ministério do Esporte (2003/06).


 

[1] Publicado no Cadernos do Terceiro Mundo, nº 49, out/nov/1982.

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