O futebol como já insisti outrora, é invariavelmente visto de forma demasiadamente simplista. E se isso já fora privilégio dos “boleiros”, hoje parece contaminar também nossos estudiosos da bola.
Amparados pelo discurso científico, caem em armadilhas contrárias as suas próprias crenças.
Dia desses, estampou as manchetes de jornais ingleses a contestação por parte de alguns jogadores do Chelsea sobre decisões tomadas, conhecimento tático e forma de se treinar do treinador brasileiro Luiz Felipe Scolari (“Big Phill”).
O “Big Phill” começou com desempenho magnífico. Em poucas semanas de trabalho jornais do mundo todo cantavam aos quatro cantos que Felipão bateria os recordes do seu antecessor no comando da equipe inglesa, José Mourinho.
As coisas não saíram exatamente como o planejado (ou melhor, não saíram como jornalistas, “especialistas” e torcedores planejavam). As críticas não demoraram a aparecer e recentemente, aproveitando-se do advento da reclamação interna dos próprios jogadores, nossos “cientistas do esporte” passaram a reiterar suas convicções sobre a “incapacidade e falta de conhecimento” do treinador brasileiro.
É fato, concreto e indiscutível, o bom desempenho em resultados de jogos e competições de Scolari (sem ir muito longe) pelo menos nos últimos 10 anos. É fato também que desde seus tempos de Grêmio ele tem como companhia o estereótipo de “paizão”, “motivador” e “xerifão”, e que muitas pessoas há tempos atribuem a essas características o bons resultados que vem alcançando na carreira.
Para os críticos, falta-lhe conteúdo e conhecimento sobre as coisas do jogo.
Senhores, não sei o que lhe falta. Realmente também não penso que esteja Felipão (ou qualquer outra pessoa) apto a ter bons resultados em ambientes diferentes tomando sempre as mesmas decisões e aplicando sempre as mesmas idéias.
Isso pode ou não, ser grave problema, dependendo do tempo que se leva para perceber o ambiente e se reajustar às novas situações.
Achar não é ciência, mas tendo (não sendo científico) a pensar que Scolari vai ser mais rápido do que os problemas. Terá mais dificuldades para isso dessa vez do que nas vezes anteriores; mas já demonstrou inteligência para tal.
O “peso” atribuído a determinadas variáveis no futebol inglês é diferente do futebol português, do brasileiro, do italiano, etc. Vencer em diferentes países requer competências dominantes distintas.
Não estou eu aqui defendendo métodos de treino, modelo de gestão ou conhecimento tático do treinador brasileiro. Primeiro porque não acompanho seu trabalho no dia-a-dia de treinos e jogos. Segundo porque o “jogar” do Chelsea realmente já fora melhor em outros tempos (mas há de se lembrar que a equipe de Felipão teve desfalques importantes em diversos jogos desta temporada).
O que estou defendendo aqui é que no “futebol complexo” em que acredito, estudo e aprendi a pesquisar, todas as variáveis e dimensões são importantes, a todo tempo, o tempo todo.
Então, para uma visão não simplista, dever-se-ia analisar um trabalho não pelo excesso de tal competência ou ausência daquela outra, mas pelo como são resolvidos os problemas e são movimentadas as “engrenagens” para tais soluções no ambiente complexo em que se encontra.
Daí, ao invés da armadilha de criticar Scolari por ignorância nisso ou naquilo, saboreemos e aprendamos como ele resolverá ou não, os problemas do seu ambiente “futebol inglês”, e entendamos, de uma vez por todas, que, didaticamente, as inter-relações entre “as coisas” são tão importantes quanto “as coisas”, sempre…
E terminando:
“Para Dante, o lado sinistro é o que conduz ao inferno, enquanto o lado direito leva o céu. De qualquer forma, é sempre bom ter os dois lados atentos”. (trecho do livro “O aprendiz do tempo” de Ivo Pitanguy)
Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br