Muitos falam sobre ele, e nesta “Ronaldomania” fica cada vez mais evidente e batido nos assuntos futebolísticos pelo mundo afora a genialidade de Ronaldo. Vagner Mancini disse, quando o Corinthians marcou seu segundo gol (o primeiro de Ronaldo no jogo), que não dava para deixar ele livre nem por um segundo sequer. Pelé, torcedores, jornalistas, especialistas e tantos outros, inclusive esse que vos escreve, se rendem e se encantam de ver tal genialidade de perto, afinal é cada vez mais difícil termos isso nos campos brasileiros.
Mas e o scout? Será que não nos ajudaria a ter alguma informação das características tanto do jogador, quanto das equipes envolvidas?
Lembro para os amigos que criticam exacerbadamente o uso dos scouts por dizer que o futebol não é passível de estudo, assim como aqueles que o defendem como salvador da pátria, como se fosse o scout o verdadeiro “Fenômeno” – é “apenas” uma ferramenta de análise que pode e muito contribuir com a leitura e intervenção em jogo.
Cabe ao profissional fazer o melhor uso possível (veremos mais sobre isso no terceiro capitulo da série “teoria da tecnologia esportiva”).
Assim, vamos observar algumas informações. A seguir, o quadro de posicionamento efetivo dos jogadores a cada 15 minutos de jogo (para maiores elucidações sobre o que é posicionamento efetivo, ver coluna do dia 27/01/2009, intitulada Zezinho do Scout: Fluminense toma virada na estreia)
0-15 minutos
15-30 minutos
30-45 minutos
45-60 minutos
60-75 minutos
75-90 minutos
Corinthians – de contorno preto, ataca para a esquerda
Santos – inteiramente branco, ataca para a direita
Reconhecer não apenas no discurso de torcedor e fã, mas no campo. Às vezes, técnicos e jogadores embalam no discurso apaixonado pelo mito Ronaldo e esquecem de que não podem dar espaço para ele e, mais do que isso, tem de ser feita uma estratégia para minimizar os riscos de ele tocar na bola.
No livro Cestas Sagradas, do técnico de basquete americano Phill Jackson, ele conta a magia que Michael Jordan exercia nas quadras inclusive para seus companheiros de equipe. Vale a comparação com o momento vivido por Ronaldo, no Corinthians. Como fazer? Aí que entra a capacidade de o profissional utilizar a informação e o recurso tecnológico. A informação esta aí: Ronaldo estava atuando com certa liberdade, cabe a compreensão e filosofia de jogo de cada um achar a melhor alternativa, seja marcação individual, marcação mista, marcação com cobertura, enfim… o que não dá é deixá-lo da forma que foi em grande parte do jogo. O Corinthians No começo, a preocupação com a chegada de Ronaldo era a dependência, em alguns jogos, e a equipe mostrou-se resistente a isso, tendo inclusive Douglas adquirido uma certa birra com o torcedor por não passar a bola para o atacante em lances-chave (caso mais expressivo contra o Itumbiara). Com o passar do tempo, o técnico Mano Menezes relembra a postura de Parreira com Romário na seleção campeã do mundo de 1994, na qual foi assumida claramente a importância do jogador e do esquema planejado para aproveitar ao máximo as características do Baixinho. O Corinthians assimilou isso e tem cada vez mais incorporado ao seu estilo uma forma de jogar que encaixa Ronaldo como peça primordial, e o que pode ser uma desvantagem quando se analisa pelo fator dependência do atacante, pode ser encarado como um fator benéfico quando desenvolve outras características em outros atletas que modificam sua forma de atuar e aperfeiçoam seus estilo e variáveis de jogo, atuando com um atleta de referência técnica e genial. Ronaldo Genialidade? Com certeza sim, pois Kléber Pereira, um exímio finalizador, teve em alguns momentos uma boa liberdade de ação, mas não a eficiência de Ronaldo. No quadro a seguir, mostramos a área de atuação dos dois camisas 9.
Área de atuação de Ronaldo
Área de atuação de Kléber Pereira
Ambos atacando para a direita Observem como Ronaldo apresenta uma atuação mais distribuída no campo. Convido-os a acompanhar algum jogo dele observando seu deslocamento sem bola, momentos antes de receber um passe. É nítida a percepção e compreensão das linhas de passes que o jogador tem, facilitando o passador a encontrá-lo, e ainda desequilibrando o balanço defensivo do adversário através de seu deslocamento em campo.
Ronaldo quebra uma visão de que o deslocamento é fruto de condição física, única e exclusivamente. Mostra que a percepção do que ocorre em torno ajuda a construir um posicionamento adequado no momento propício (é nesse ponto que os jogadores corintianos estão aprendendo a jogar com Ronaldo)
Mais alguns números do Fenômeno: · Ronaldo foi responsável por 9% dos passes da equipe · Ronaldo teve 24% das bolas perdidas do Corinthians (ao lado de Morais, que teve outros 24%). Bolas perdidas indicam a ação direta do adversário em desarmá-lo, o que mostra que ainda que tenha na maior parte do tempo recebido espaço da defesa santista, teve duelos com alguns adversários, muitas vezes abrindo espaço para outros companheiros e destacando ainda mais o volume de jogo da equipe em sua função · Ronaldo recebeu 25 passes de seus companheiros no decorrer do jogo · Foi responsável por recuperação da posse de bola em três ocasiões, sendo duas no campo ofensivo (pode parecer pouco, mas relembremos o primeiro gol do Brasil na Copa do Mundo de 2002, quando ele desarma, passa para Rivaldo e depois aproveita o rebote do goleiro).Ronaldo é, sim, inexplicável, imprevisível, mas é possível observar que algumas características têm se repetido nesses poucos jogos e muitos gols pelo Corinthians.
No discurso, exaltamos o Ronaldo dos bons e velhos tempos. Na prática, esquecemos que ele é genial, e como todo gênio sabe se adaptar às novas condições que lhe são impostas (como as condições físicas atuais), e assim continuar fenomenal.
Ficamos com a mente e análise comprometidas, por não entender (nem sequer tentamos) sua forma de jogar hoje, e pensando que temos de marcá-lo como se ele fosse o mesmo de 2002 – as características são outras, a forma de jogar se adaptou, mas a genialidade é a mesma.
Para interagir com o autor: fantato@universidadedofutebol.com.br